1. Ideias gerais
Quando se olha para um grande evento desportivo mundial ou mesmo europeu ou cultural tipo Expo, na disputa pela sua organização aparecem numerosos países candidatos e desenha-se uma grande influência no sentido de conseguirem captar a sua realização.
Decorre um período de lobbying, mais ou menos longo, onde vale quase tudo. Desde o lobbying legal (promoção) até ao uso indevido de formas e métodos menos próprios, onde a grande corrupção tem campeado. Exemplos bem recentes na FIFA e UEFA provam isso mesmo. Muitos “aliciantes” têm de estar presentes para que este processo ocorra sob esta maneira.
Vamos pensar nos impactos do evento em si e nos respectivos e variados interesses. Há a separar duas grandes vertentes: os efeitos propriamente ditos nos países e o tipo e qualidade dos efeitos.
Os efeitos nos países variam consoante o elo deles com o evento. Assim, os impactos serão muito diferentes consoante se considere: o(s) país(es) anfitrião(ões); os países participantes; os terceiros países, ou seja, os não participantes.
Quanto ao tipo de efeitos, há vários a equacionar, muito mais relevantes no país anfitrião, devido aos grandes investimentos sobretudo em infra-estruturas mas sem deixar contudo de atingir os países participantes e variando consoante o grau de progressão no campeonato, sobretudo nestes últimos. Quanto mais longe for o país, maiores os efeitos.
Há um estudo sobre Portugal para o actual campeonato do mundo de que falaremos mais adiante.
Talvez possamos arrumar os efeitos em quatro grandes grupos: económicos, políticos, socioculturais e de natureza ambiental. Estes efeitos têm origem diferente consoante o país é anfitrião ou só participante.
Por exemplo, o país anfitrião teve de preparar, como já se referiu, as infra-estruturas onde se vão realizar os jogos, ou seja, os estádios, mas quantas vezes os acessos, a construção de hotéis, etc., até o reordenamento dos espaços. Ora, aqui há todo um tipo de efeitos anteriores à realização do evento, por vezes exigindo grandes investimentos e financiamentos, e requerendo muito trabalho (empregos), com muito tempo de preparação e construção.
Depois há o período de realização do evento em si que exige tantos outros serviços de planificação, organização, segurança, controlos variados, todo o tipo de transportes, alojamentos, ligações internacionais, licenças de entradas e saídas, acreditação dos meios de comunicação social, enfim, uma panóplia nada simples porque diversificada de serviços que têm de ser identificados, programados, calendarizados ao pormenor e disponibilizados.
Finalmente, muitas destas infra-estruturas terão uso futuro, a considerar também nos impactos.
Quando se vai comparar os custos realizados com as receitas recebidas, terminado o campeonato, pode ter acontecido (acontece de certeza) que as receitas não dêem para cobrir as despesas de investimento realizadas.
Assim, o projecto deve ser equacionado desde início em toda esta globalidade, pensar mais longe. Por exemplo, a dez anos ter-se-á retorno financeiro? E que outros retornos?
Mas, eventualmente, o país realizador ou os seus dirigentes políticos e económicos pensam mesmo longe, independentemente da forma mais ou menos ajustada em termos de benefícios para o país.
Que outros benefícios para além dos económicos e financeiros poderão estar subjacentes? Admito que, em muitos casos, esses outros “benefícios” sejam bem determinantes nas decisões de opção dos políticos e agentes económicos. E este problema tem suscitado diversas polémicas nos países organizadores, com o aparecimento de vozes discordantes e oponentes a essa realização.
Pois há quem entenda e, com muita razão, por vezes – sobretudo quando este esforço de investimento é feito em detrimento de outros, por exemplo na educação ou na saúde – porque entendem que esses mesmos investimentos trariam mais benefícios para a sociedade no presente e no futuro.
Desconheço se esta questão se levantou na Rússia, mas, em anteriores campeonatos, esteve sempre na baila. Por isso, os efeitos económicos sendo muito importantes não esgotam a questão. Daí que a visão sobre os impactos deva atender às diferentes componentes e aos interesses do país.
Não tenho dúvidas de que o Euro 2004 em Portugal, apesar de várias “megalomanias” em estádios à primeira vista perfeitamente dispensáveis porque quase nunca utilizados depois (Algarve, Leiria, Aveiro), trouxe mais-valias a longo prazo ao país, nomeadamente na projecção externa da imagem de Portugal e de que ainda hoje colhe retorno sobretudo no turismo.
Poder-se-á questionar. Não se poderia ter racionalizado alguns investimentos? Certamente, embora admita que discussão sobre o número de estádios não seja linear. Teria Portugal vencido a candidatura com a construção de um número muito inferior de estádios?
Há sempre a componente política que fica, sobretudo quando o desempenho é positivo. É a imagem externa e interna que se consolida e os governos retiram benefícios dessa situação, e são também os contactos políticos que se estreitam.
Sem dúvida que o desanuviamento Rússia/Ocidente sai um pouco melhorado deste campeonato. Mas quem vai beneficiar mais? A Rússia ou os outros países? Estas são questões complexas a não minorar numa discussão séria e objectiva.
Há pois muitas respostas possíveis aos impactos e quantificá-las é uma façanha desmedida. Mas são exercícios sempre úteis porque permitem uma maior ponderação. Há modelos, há métodos mas quase sempre limitados aos impactos económicos e financeiros.
2. Estimativa para Portugal de impactos do actual campeonato do Mundo de Futebol
O Instituto Português de Administração de Marketing (IPAM) realizou um estudo onde estima o impacto de 678 milhões de euros na economia portuguesa de uma vitória de Portugal no Campeonato do Mundo de Futebol, na Rússia.
O estudo distribui os vários tipos de impactos por consumo em casa, que ascende a 35 por cento, restauração (15%), publicidade (22%), apostas “online” (6%) e o prémio monetário (Prize Money) do desempenho (6%).
Como se vê o estudo cingiu-se ao impacto económico apenas. Mas, como se referiu antes, há muitos outros efeitos que perduram até a longo prazo. A imagem do país e o turismo, sem deixar de fora a diplomacia, por exemplo, em que o encontro do Presidente de Portugal com o Presidente da Rússia se encaixa.
Mas o estudo foi mais longe e analisa o impacto do pior resultado possível para a selecção, o de não passar a fase de grupos – o que parece não vir a concretizar-se, pois até com a vitória bem sofrida sobre Marrocos deu um passo em frente. Neste caso, o impacto seria de 333 milhões de euros.
Ainda, segundo o IPAM, as receitas serão auferidas por vários sectores e entidades, “como a Federação Portuguesa de Futebol, agências de publicidade, agências de meios, empresas de catering, transportes, hotelaria, cafés, restaurantes, segurança, limpeza, polícia, empresas de apostas, meios de comunicação social, gasolineiras, marcas desportivas, cervejeiras, hipermercados, entregas de comida ao domicílio, tabaqueiras, agências de viagens e hotelaria”, entre outros.
De acordo com a ficha técnica do estudo, coordenado por Daniel Sá, director executivo do IPAM, o documento teve por base o modelo de previsão económica desenvolvido pelo UKSport, sendo que “a fiabilidade das previsões originadas com este modelo tem variado entre os 64 e os 79% dos valores reais”, uma margem de erro muito assinalável.
Agora, ter-se uma visão dos impactos para o país anfitrião, a Rússia, é uma tarefa impossível. Só mesmo um trabalho a realizar por uma equipa pluridisciplinar com grande recolha de informação no próprio país. Mas admito que a candidatura tenha assentado em factores bem mais políticos que económicos, e que “os ganhos” para Putin e Rússia sejam de facto compensadores.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.