Depois do Banco de Portugal e do Governo terem afirmado que não havia razão para preocupações maiores com a realidade BES, somos informados de que o Banco de Portugal tomou uma decisão inédita – dividir o BES em dois novos bancos, apelidados na altura de banco bom e banco mau. O objectivo era separar o trigo do joio, permitindo salvar um banco cuja dimensão se considerava pertinente para o sistema financeiro, evitando-se risco de contágio num período que ainda era crítico (pós 2008).
Assim nasceu o Novo Banco (NB), cujo nome não foi escolhido ao acaso, onde ficaram os colaboradores, os passivos (depositantes) e os activos (créditos) com qualidade. O Fundo de Resolução (FdR) criado em 2012, é uma entidade pública financiada pelo sistema bancário e passou a ser o seu único accionista, com um capital social de 4.900 milhões de euros. E, após esta decisão, a informação que nos deram é que tudo vai correr bem já que, com esta medida, o Novo Banco era, afinal, um banco novo!
Em 2014 – o NB nasceu em 4 Agosto deste ano – o banco fechou as contas do ano com um prejuízo de 497,6 milhões de euros. Ao contrário do que se poderia esperar, os clientes não abandonaram o banco e por isso o resultado bruto foi positivo, rondando os 430 milhões de euros. O problema foram as imparidades. Afinal ainda havia crédito de má qualidade no NB. Mas, a partir daqui, tudo começaria a evoluir bem.
Em 2015, o ano fechou com um prejuízo de 980,6 milhões de euros. Mais uma vez, as imparidades fizeram das suas. Em 2016, os prejuízos foram de 788,3 milhões de euros e, como já sabemos, 2017 fecha com um prejuízo de 1.400 milhões de euros. Mas, insistem, agora é que vai ser!
Ou seja, um banco novo, limpo, com nova administração e o mercado a evoluir de forma positiva e o NB afunda ano após ano. No meio disto tudo, é vendido, já com um ano de atraso, ao fundo americano Lone Star. Para que esta venda fosse concretizada ficou acordado que o FdR manteria uma posição de 25% no capital do banco, responsabilizando-se por todas as perdas oriundas do antigo BES até ao limite de 3.890 milhões de euros.
Pelos 75% do NB, “limpo de responsabilidades” até essa data, a Lone Star “disponibiliza” um total de 1.000 milhões de euros, ou seja, se vai colocar dinheiro num activo que é seu, na realidade não está a pagar para o comprar. Diz a Lone Star que “leva muito a sério a responsabilidade de gerir o activo que lhe foi confiado”. É bonito, sim senhor.
Com o resultado de 2017, o FdR terá de injectar no NB 792 milhões de euros.
Como em 2016 o próprio FdR apresentava no seu balanço um activo líquido de 272 milhões de euros e responsabilidades totais de 5.032 milhões de euros (dos quais 3.900 milhões correspondem a um empréstimo do Estado para fazer face ao processo de resolução do BES em 2014), o Estado vai ter de emprestar mais 450 milhões de euros ao FdR enquanto o NB vai emitir em 2018 dívida subordinada no valor de 400 milhões de euros, que, se não houver boa receptividade do mercado, será tomada firme pelo próprio FdR. Parece-vos que anda tudo à roda para nos deixar tontos? É mesmo assim.
Já agora, quando se fala em obrigações (ou papel comercial) está-se a falar de dívida (ou seja, quem “compra” uma obrigação está a emprestar dinheiro ao banco ou à empresa que emite essas obrigações) e quando esta dívida (ou título) se diz subordinado, significa que, em caso de falência, é o último a receber (fica subordinado ao pagamento das restantes “dívidas” que hierarquicamente se sobrepõem, como depósitos, fornecedores, obrigações sénior, etc.) ou seja, nunca vão receber o capital investido (ou dificilmente o receberão).
Ou seja, neste caso a diferença entre a nacionalização e a venda à Lone Star é que na primeira teríamos de arcar com os prejuízos mas o activo era nosso, enquanto na segunda arcamos com os prejuízos mas 75% do activo é da Lone Star que, daqui a três anos, o irá vender. Não sou a favor de nacionalizações, mas isto não são vendas. Muito menos boa gestão.
Conclusão: nunca se diz a verdade, não se responsabilizam “os bons”, nem se prendem “os maus”. Uma festa, portanto.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.