Cristiano Ronaldo! Que dizer? Talvez que, para falar deste jogador, é preciso recorrer ao dicionário e mesmo aí as palavras já só podem ser repetidas. Sou, portanto, substantivo: “o homem” fez um golo a abrir, a partir do nada; marcou outro a fechar a primeira parte, numa altura sempre importante; e, quando já tudo parecia perdido, para um adversário que mostrara ser superior, respirou fundo, concentrou-se, e arrancou uma cobrança de falta irrepreensível. Parece fácil mas é preciso confiança, personalidade e ser capaz. Conjugar tudo isso, a dois minutos do fim, num campeonato do Mundo, durante um jogo extremamente importante, só está ao alcance de muito poucos ao longo da História deste desporto-espetáculo. Por isso, revisito o dicionário e as palavras tantas vezes gastas: fantástico, magistral, lendário, sublime, estratosférico… E acrescento outra: injusto. Sim, injusto! Este empate (3-3) é injusto. Se aquilo acontecesse a Portugal, seria o que todos diríamos.
Ronaldo, e os seus três golos, foram uma injustiça à solta num jogo que a Espanha fez tudo para merecer ganhar – e que Portugal não soube por duas vezes defender. Mas quem tem Cristiano Ronaldo pode sempre sonhar. Até com imitações de milagre.
O que se viu ontem em Sochi, como na célebre exibição do “playoff” de apuramento para o Mundial do Brasil, com outros três golos numa noite em Estocolmo (3-2), são coisas que só vistas, e sempre para lembrar no futuro. Cristiano Ronaldo mudou dentro do campo. Já não é o extremo-goleador supersónico de outros tempos. Mas não mudou nem na vontade nem na classe. Ao mesmo tempo que se reinventou, nesses aspetos até melhorou. Simplesmente espetacular! Tudo o que fez, ao longo dos 90 minutos, foi bem feito. Um jogo enorme, à beira da perfeição, de participação no coletivo. Só ele podia ter cometido uma injustiça assim, marcando num jogo tantos golos como nos três Mundiais anteriores. Quem sabe se não deu o pontapé de saída para mais uma vez voltar a ser, para a FIFA, aquilo que é para os adeptos do futebol em Portugal: o melhor do mundo.
Volto atrás, ao princípio do jogo.
Portugal teve tudo a seu favor para conseguir um resultado positivo de forma mais fácil, mas a Espanha mostrou como é magistral no controlo da bola, no domínio do espaço, na inteligência em movimento, na paciência para abrir a defesa contrária. Neste aspeto, a equipa de Fernando Hierro só tem paralelo na do Brasil. Pode alegar-se que empatou indevidamente, num lance em que Diego Costa fez uma falta evidente sobre Pepe (que o vídeo-árbitro não assinalou, como deveria). Sim, pode. Mas tem de se reconhecer, também, que esse momento, aos 24 minutos, marcou o início da consolidação do jogo espanhol, apenas interrompido pelo monumental “frango” de De Gea num lance inventado por Ronaldo. O guarda-redes espanhol, que já esteve muito mal num particular com a Suíça (1-1), voltou a comprometer a sua equipa, na qual não se sentiu a mudança de treinador. O jogo está demasiado consolidado para abanar.
Este empate deixa algumas reflexões em aberto para os próximos dias. A primeira é se João Mário não faz mais sentido do que Bruno Fernandes, pela experiência e capacidade de promover a posse de bola. A outra é se, nos jogos que aí vêm, contra equipas mais defensivas, não é melhor ter André Silva de início. Gonçalo Guedes é um excelente jogador mas pareceu sentir em demasia a responsabilidade e o momento. Na primeira parte, em duas jogadas, teve nas pernas e na cabeça toda a pressão de jogar um Mundial.
E, sim, a defesa não esteve bem. Melhor dizendo: a equipa de Fernando Santos não defendeu como devia na maior parte do tempo. Começou a prometer fechar com esmero, pressionando alto, mas depressa descambou. É aí que se deve reconhecer o enorme mérito da equipa espanhola. Enfrentar David Silva, Iniesta, Isco e companhia a jogarem ao primeiro toque, abrindo e correndo, não é fácil. Os jogos seguintes serão diferentes. É preciso atenção mas não haverá este circo infernal que torna todos os lances capazes de serem um perigo.
Por várias razões, o empate merece ser festejado. Coloca Portugal no caminho do apuramento se a lógica se confirmar. E isso, como todos vimos, esteve mesmo para não acontecer. Uff!…