Lido ontem numa página Facebook: “Decorriam os Jogos Olímpicos de Montreal em… 1976. Alguém resolveu atirar para o chão, ou para o mar, um copo de iogurte Yoplait. Foi recolhido do oceano há dias.” A página é a da Mother Earth, uma associação para a preservação do ambiente. É possível que quem atirou a embalagem não o tivesse feito, se soubesse que seria assim. E nós, em geral, sabíamos?
Ainda hoje, quantas vezes não vemos garrafas e pacotes de plástico atirados para a berma da estrada, largados na areia da praia, ou deixados pelos parques florestais, sobras duradoiras de vários piqueniques. O Expresso noticiava há dias “Sílvia encontrou um pacote de batatas fritas que anunciava um prémio de 5.000 contos.” O pacote estava numa floresta em Trás-os-Montes e já levava 23 anos de vida. Parece anti-natural isto de falhar o bom princípio que as religiões gostam de pôr na fórmula – tudo volta ao pó de onde veio.
Mas pior ainda é quando não é visível. Apesar de tudo, o pacote que passa incólume pelo tempo faz menos estrago do que o que segue o curso mais habitual de fragmentação em pedaços cada vez mais pequenos, até ser pó, sim, mas pó de plástico. É que este vai-se entranhando e depositando, através das cadeias alimentares, nos animais e, em última análise, em nós mesmos. Hoje, sabemos que o peixe em alto-mar já traz consigo quantidades muito significativas de microplástico. É caso para se dizer: o que quer que nós façamos, acabaremos por colher, ou por comer, o lixo plástico que semeámos.
Mas a situação é mais grave do que aquilo que cada um, por si próprio, decide fazer ou deixar de fazer. É claro que há um lado da questão que se resume à nossa capacidade de fazer escolhas. Por exemplo, não utilizar sacos de plástico, evitar brinquedos de plástico, procurar alternativas ao plástico que muitas vezes não exigem grande esforço. A iniciativa que a Quercus lançou esta semana, desafiando-nos a não usar plástico descartável durante 40 dias, vai nesse sentido. Pode ter uma adesão muito relativa, mas a consciencialização, que é um passo essencial, fará o seu caminho. Se calhar, por enquanto, só uma escassíssima minoria sabe o quão ambientalmente terrível é o plástico quando usado quotidianamente por uma enormíssima maioria. E este hiato tem de ser vencido.
Mas, depois, há todos os lados da questão que não dependem da capacidade de cada um fazer boas escolhas. As empresas de distribuição, no seu papel de intermediários entre produtores e consumidores, devem ser obrigadas a assumir políticas de substituição do plástico por materiais biodegradáveis. Por exemplo, é inaceitável, além de preguiçoso, que o pacote de papel que leva uns pães tenha uma “janela” de plástico para melhor vermos o seu conteúdo. E não duvidando que há uma componente ética importante nesta questão, e que não se resume a decisões individuais ou familiares de pessoas, mas igualmente a decisões empresariais, há igualmente uma componente política que deve ser exercida através de legislação compulsória.
O que foi feito em relação aos sacos de plástico que levam as compras deve ser feito também para as compras que o saco leva. É preciso fazer pagar caro o plástico, a quem o consome, a quem o distribui e a quem o produz. Se for necessário que cada saco de compras em plástico passe a custar 1 euro, que assim seja. É só fazê-lo pagar mais imposto que o tabaco ou o álcool. Ou simplesmente proibi-lo.
Só que a situação ainda é mais grave e complexa. Estas opções, que são mais ou menos viáveis, com ética e políticas robustas a trabalhar nesse sentido, não estão ao alcance de todas as sociedades. O plástico, que podemos e devemos fazer pagar caro em sociedades ricas, tem sido de muitas maneiras a oportunidade de sociedades pobres serem menos pobres, ou serem um pouco mais à imagem e semelhança das outras. Pelo menos de forma mais imediata. Os brinquedos mais baratos são os de plástico, os revestimentos dos carros menos caros são os de plástico e tudo, quase tudo, pode ter uma versão de plástico.
O plástico tornou-se o preço a pagar, em falta de genuinidade, ou em excesso de impostura, para se ser de forma mais barata o que talvez, de outra maneira, não seria possível ser ou ter. Alexandre O’Neill é que soube resumir a ideia: “ó Portugal, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato!” Só não antecipou que esta viria a ser uma cultura globalmente dominante, em economias pobres ou emergentes, baseadas em sociedades muito populosas.
Há qualquer coisa de fundo democrático na ascensão do plástico e uma correlação entre pobreza e plástico que tem de ser vencido à escala global, como uma ideia de democracia e de desenvolvimento menos imediatista. Mas é preciso ver também que essa é uma ideia que sabe a plástico quando dita àqueles para quem a saída da pobreza é ainda um assunto demasiado imediato, e quando a solidariedade global é uma expressão com duas palavras, mas uma de plástico…
O certo é que, depois do verso de O’Neill, que é de 1965, produzimos umas 7 vezes mais plástico no planeta, muitas mais vezes fragmentado, invariavelmente depositado nos oceanos, nas lixeiras, ou nos nossos estômagos.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.