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“Não devemos um favor à DBRS, mas poupou-nos uma boa fatia do PIB”

João Ferreira Marques, o português que ajudou a criar os critérios para avaliar Portugal, admite que a agência tem uma metodologia diferenciada, que beneficiou o ‘rating’ do país. Salienta que o tempo poderá dar razão à DBRS.
Cristina Bernardo
17 Setembro 2017, 19h00

Foi um dos criadores da DBRS na segunda tentativa de entrar na Europa. Como é que surgiu a oportunidade?
Em meados de 2009, fizeram uma análise pós-crise e pensaram que, se a mudança para a Europa fosse feita de forma estruturada, poderia ter sucesso porque as oportunidades continuavam lá. Havia um certo descontentamento do mercado ou até da opinião pública e política em relação às três agências de rating existentes. Acharam que havia uma nova oportunidade. Foi nesse sentido que eu fui contactado.

Qual foi o seu papel?
Ajudei a desenvolver critérios de rating para uma série de países, em particular Portugal e Holanda. Ajudei a construir um bocadinho a estrutura da DBRS e gosto muito da cultura que criaram. A cultura de trabalho das agências de rating é algo muito interessante. Cada uma é diferente, mas são de certa forma semelhantes. São ambientes quase académicos. Eu passei também pela banca de investimento e é um contraste brutal. É o mesmo setor, mas a cultura de um lado e do outro é totalmente diferente. As agências de rating gostam de cultivar isso e faz algum sentido.

Até porque lhes dá mais importância.
Dás-lhes mais importância, sim, mas as coisas mudaram muito. Antes da crise, falava-se muito das pressões que as agências de rating sofriam. Eu estive muitos anos na Fitch e posso dizer que pressões havia, mas as pressões nunca foram da estrutura. Era mais a banca de investimento. Estamos a falar de processos em que as coisas ficam escritas. Havia comités de crédito e de rating. Pode-se discutir se estatisticamente os modelos ou a metodologia faziam sentido, mas essa é outra discussão. Agora, se havia pressão de shareholders, nunca tive essa experiência.

E depois da crise?
O próprio analista tinha um conflito de interesses porque queria fazer transações. Quanto mais melhor. E isso mudou de forma brutal pós 2008.

Há um escrutínio maior?
Não é só uma questão de escrutínio. Simplesmente não há um telefonema que seja feito para uma agência de rating. Desligam o telefone e acabou…

Na altura da crise, ouvia-se muitas vezes a alegação que a DBRS escolheu manter Portugal em grau de investimento parcialmente porque dava mais visibilidade.
Acho que é uma conclusão que potencialmente se pode tirar daí. Não acredito que o façam diretamente. Tenho a certeza absoluta que quando estão num novo mercado se tentam diferenciar das outras agências de rating e que o tentam fazer via metodologia, que é um pouco diferente. Neste caso, favorece o emitente, que é a República portuguesa. Mas não há lá uma falha. Não há uma exceção. Esse argumento era mais válido há uns anos quando todas as agências tinham uma visão muito negativa em relação a Portugal, descendo a perspetiva. A DBRS não o fez, mas se olharmos para o tema agora vão ser eles a ter razão. Se daqui a uns meses, as outras agências fizerem o upgrade para investment grade, eles já lá estão. E não o contrário.
Isto é algo, mesmo quando eu era analista, era algo discutido mesmo de forma académica e muito aberta: a volatilidade dos ratings e a acusação de os ratings serem muito mais vezes followers que leaders da perceção do risco. O rating tem de ser uma visão de longo prazo e nunca de curto prazo. Dentro da perspectiva que o rating é de médio / longo prazo, daqui a uns meses, espero que o rating da República portuguesa volte a investment grade. Dentro desta perspetiva, acho que esses argumentos vão cair por terra. Não houve ainda um upgrade, mas o outlook já é positivo de duas agências.

Outra crítica feita à DBRS é que dá pouca importância ao risco político.
O fator subjetivo é sempre subjetivo… Mas eu volto sempre ao ponto que um rating não pode ser volátil. De forma académica e de forma técnica, não pode ser volátil. E as grandes provaram que os seus ratings são mais voláteis que os da DBRS, neste caso em específico. Mesmo tendo em conta o potencial risco político, que era mais no papel porque na prática resultou em algo completamente diferente e numa estabilidade que talvez ninguém tivesse antecipado. Obviamente não quero estar a dizer que a DBRS é especialista em política portuguesa, porque não é de certeza, ou que tenham antecipado o que quer que seja, mas é uma visão de uma forma mais conservadora ao nível das ações. Podemos dizer que a DBRS é mais conservadora ao nível do AAA, por exemplo, mas a nível do BBB são menos voláteis. É uma metodologia diferente, que resulta numa menor volatilidade. Passar uma entidade de investment grade para non-investment grade, em particular, um país, é algo relevante. Quando aconteceu a Portugal, até lhe chamavam lixo…

Neste caso, há outra questão ainda mais importante que é o programa de compra de ativos do Banco Central Europeu.
Aí podemos dizer que a DBRS teve um papel importantíssimo para Portugal. Poupou-nos centenas de milhões de euros porque o custo de não ir lá seria muito mais caro. Teríamos de encontrar outro tipo de alternativa, que provavelmente não haveria ou via troika, que era um apoio mais estruturado, muito mais caro e que ia colocar os bancos sob um stress adicional mais considerável. Não devemos nenhum favor à DBRS, mas poupou-nos uma boa fatia do PIB por diversos anos e isso é um fator inquestionável.

O que falta para Portugal voltar ao grau de investimento?
Do ponto de vista prático e menos técnico, as agências estão à espera de ver menos volatilidade. O que nunca querem fazer é fazer um upgrade a um país e depois rapidamente as coisas mudarem e terem de fazer um downgrade. Isto para a credibilidade dos ratings é terrível. Basicamente, excluindo os aspectos técnicos e de forma muito sumária, o que estão à procura é de pouca volatilidade e de conforto que a posição que tomem de upgrade seja sustentável a médio prazo. Descer é sempre mais fácil que subir. Olhando para aspetos técnicos fundamentais portugueses, há melhorias óbvias, há fatores positivos, mas para todos os efeitos há fatores macro que não estão muito diferentes, como o nível de endividamento. Estamos ainda muito dependentes da economia externa e de como é que certos players se vão desenvolver. É uma combinação destas coisas, mas sempre chegando ao ponto fundamental que é a volatilidade e a estabilidade. Se notarem estabilidade política e económica e se não houverem fatores exógenos que possam rapidamente perturbar a economia, à semelhança do que aconteceu, pode haver esse conforto e estabilidade.

A Fitch avalia Portugal em dezembro. Vai ser nessa altura?
Não tenho uma bola de cristal, mas se a situação económica se mantiver estável, sem grandes surpresas e se não houver nenhum fator negativo, e mesmo que não cheguemos a lado nenhum, mesmo que se mantenha só como está, estou convicto que sim. Não tenho qualquer dúvida. Se houver um problema, algum tipo de crise europeia ou mundial, então, não. Mesmo que seja um soluço…

Esse soluço pode vir da diminuição da compra de ativos pelo BCE?
Pode vir de diversos lados, incluindo do BCE. Isso é mais um fator estrutural, é um teste. Se não tivermos grandes preocupações e se não tivermos grandes problemas, então aí será um fundamento ainda mais óbvio de que a economia está sólida. A economia estar sólida quer dizer que há investidores que estão confortáveis em comprar e gerir em secundário esse nível de volume sem estarmos sempre à espera do BCE. É importante porque é como estar ligado à máquina e há-de chegar um ponto em que o teste é tirar a máquina para ver se as coisas funcionam. Este vai ser um teste importante.

O que é que vai acontecer nessa altura?
Quando o BCE reduzir primeiro e depois eliminar completamente a compra de títulos, ou vamos ter um problema, um stress nas yields, ou não vamos ter, em função dos investidores e do apetite do mercado. Se a economia dos nossos parceiros europeus e mundiais estiver negativa, vai ser mesmo um problema. É um facto e não há escapatória. No mercado da dívida, as coisas só se complicam quando há volatilidade porque quando há preocupação os investidores mais tradicionais desligam-se e entram investidores mais sofisticados que têm targets de investimento mais aproveitadores. Vamos estar aí e em primeiro lugar a preocupação é o contexto económico e os nossos parceiros. Nem precisamos de fazer muito mais, basta manter como está em termos de resultados, desemprego, crescimento, a confiança dos consumidores, os turistas a encherem Lisboa e a venda de imóveis a disparar… Não tenho dúvida nenhuma que vamos ter upgrades e que vamos sobreviver sem estarmos ligados à máquina. Não nos podemos é esquecer que a nossa economia é estruturalmente muito frágil.

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