A Comissão Federal para as Comunicações (FCC), entidade que regula as comunicações nos Estados Unidos da América (EUA), votou na semana passada pelo fim da chamada “neutralidade da Internet” (introduzida na Administração Obama). Até agora os cidadãos norte-americanos acediam a qualquer site e a qualquer conteúdo sem restrições por parte dos seus fornecedores do serviço de Internet (ISPs). Da mesma forma, as empresas tecnológicas que produzem ou distribuem conteúdos e serviços (Facebook, Google, APPLE, Amazon, Netflix, etc.) não têm conhecido descriminações por parte desses fornecedores em termos de velocidade de transmissão ou do tamanho dos dados. Neste sentido, pode-se dizer que a Internet nos EUA era até agora um espaço sem privilégios e democrático.
A decisão da FCC vem alterar esta realidade. Teoricamente, as empresas que fornecem o acesso à Internet podem agora definir diferentes velocidades de acesso e de transmissão de dados, quer aos consumidores quer às empresas de conteúdos. E, com isto, criar diferentes pacotes de preços, taxando mais a quem mais dados e conteúdos acede e transmite. Na prática, pode-se estar a criar nos EUA uma Internet dual: uma de elevada velocidade e volume de tráfego para os consumidores com maior poder de compra e para as grandes empresas, e outra Internet para as pessoas que não podem pagar esses serviços, mas também para as empresas com menor capacidade financeira.
Ou seja, o fim da neutralidade da Internet, além de promover cidadãos e empresas com diferentes privilégios no espaço digital, pode vir a significar um problema de distorção da concorrência no mercado, dado que prejudica essencialmente as empresas de menor dimensão e com menor capacidade orçamental. Aqui incluem-se, naturalmente, as startups (incluindo as de base tecnológica), essenciais ao crescimento económico e à dinamização da economia, que têm de passar os primeiros anos a conquistar clientes e mercados, e com volumes de faturação não muito elevados. Por exemplo, pode acontecer que os conteúdos e serviços destas empresas sejam disponibilizados na Internet a velocidades mais lentas, dificultando o seu acesso por parte das pessoas (privilegiando as empresas já existentes e que dominam o mercado). Ou pode mesmo acontecer que determinados conteúdos e serviços sejam bloqueados se forem concorrentes de outros oferecidos por empresas com quem os fornecedores da Internet têm relações. Neste caso, estamos perante a criação de uma barreira à entrada de novas empresas na economia digital.
Os impactos económicos e sociais desta decisão podem ser significativos a prazo. Esta descriminação às novas empresas, startups e às de menor dimensão pode influenciar negativamente o lançamento de produtos e serviços inovadores (e o comércio eletrónico), afetando não só os EUA no imediato como a economia mundial num futuro próximo. O fim da neutralidade da Internet é, claramente, uma decisão contrária aos princípios de Inovação Aberta (que têm sustentado a economia digital), dado que vem criar entraves à livre circulação do conhecimento, prejudicando a inovação empresarial e limitando o acesso da sociedade de novas soluções, produtos e serviços. Mas é também uma decisão que pode diminuir os níveis de democracia atualmente existentes na sociedade norte-americana. Por exemplo, teoricamente um ISP poderá bloquear ou dificultar a distribuição de conteúdos online dos movimentos defensores das minorias ou das liberdades dos cidadãos.
Uma possível reversão desta decisão da FCC está a ser analisada neste momento nos EUA em vários quadrantes. Se em termos políticos a maioria republicana no Senado e na Casa dos Representantes torna difícil essa reversão, há que contar com o poder dos cidadãos e das empresas da economia digital (como o Facebook ou a Google), que podem ser determinantes neste processo, como o foram em 2015 para garantir a neutralidade da Internet.