Em 2008 todos ficámos a saber que, afinal, os bancos também podiam ir à falência em Portugal. Poucos, muito poucos, viam tal como possível antes do caso BPN. Aliás, 2008 foi o início duma série de revelações sobre o sistema financeiro.

A falência do Lehman Brothers e todo o efeito de contágio que daí adveio deixou clara a capacidade que o homem tem de criar produtos financeiros complexos, cujo risco implícito é dificilmente controlável e, pior, impossível de transmitir de forma clara, quantificada e objectiva ao seu “comprador” final.

Dez anos decorridos e muitos bancos falidos depois – devido à falta de supervisão do Banco de Portugal e dos seus responsáveis, que nem com o BPN abriram a pestana, com especial destaque para o Governador Carlos Costa, cuja actuação no BES é inacreditável  – o (mesmo) Banco de Portugal (BdP) vem agora impor regras na atribuição de crédito aos particulares.

Ainda não percebi se quer proteger os bancos enquanto instituição ou as pessoas, e, se as pessoas, se as que se endividam (clientes) ou se os contribuintes (todos nós). Mas uma coisa é certa, aquilo com que o BdP se deveria preocupar era em encontrar mecanismos, formatos e/ou veículos que permitissem um aumento exponencial da literacia financeira entre os portugueses. Porque o problema é esse!

Impor uma taxa de esforço máxima de 50% do rendimento serve para quê? Se o rendimento for de 1.000 euros, esta taxa de esforço representa o mesmo que um rendimento 10 vezes superior? É óbvio que não. As pessoas têm é de avaliar se o seu rendimento disponível após a contracção do empréstimo é ou não suficiente para fazer face a todas as despesas mensais, idealmente acrescido de uma folga para despesas inesperadas ou imprevistas.

Não é decretando que vamos lá. É formando e disponibilizando as ferramentas que se identifiquem úteis para que cada um decida, por si e para si, de forma correcta, consciente e informada.

De que serve cumprir o rácio de 50% se estivermos num cenário de subida das taxas de juro? Daqui a dois anos, qual será o valor da prestação e a consequente taxa de esforço?

Um crédito ao consumo ou para habitação é de médio (5 ou 7 anos para o consumo) ou longo prazo (20 a 40 anos para habitação). Tem de ser avaliado nessa mesma perspectiva. Como vai evoluir a prestação, em que condições posso transferi-lo para outro banco ou com que idade faz sentido vê-lo terminado são tudo variáveis que devem ser decididas de forma consciente e em função de um conjunto de variáveis adjacentes – o rendimento actual e futuro (vamos pensar que se mantém), despesas fixas totais, agregado familiar actual e futuro, etc.

Do outro lado, temos os aforradores. O único “problema” das centenas de pessoas que correm o risco de perder as suas poupanças foi confiarem no seu banco e no seu gestor de conta. Sem o conhecimento que lhes permitisse saber que, afinal, papel comercial é dívida, compraram-no como se de um depósito a prazo se tratasse.  Até porque era exactamente assim que era vendido. Muitos dos gestores de conta também não têm a formação adequada. Também eles precisam de formação.

Um exemplo muito simples que ilustra bem esta realidade são as obrigações. Durante anos, a maioria das pessoas, incluindo gestores de conta, consideravam as obrigações, um produto sem risco – isto quando existe uma panóplia de “tipos” de obrigações e todas elas, com pelos menos dois tipos de risco subjacentes: o do emitente e o de taxa de juro.

Caros Srs. do BdP, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e políticos: vamos dar a cana e ensinar a pescar em vez de decidir o tamanho do peixe que cada um vai comprar.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.