Junto-me hoje ao numeroso grupo de cidadãos descontentes com o funcionamento da Justiça. E não o faço para chorar o calvário percorrido por José Sócrates, Ricardo Salgado, Oliveira e Costa, Duarte Lima ou outros ‘inocentes’ perseguidos por ‘perversos’ procuradores. Felizmente, vejo que não faltam carpideiras disponíveis nem oportunos livros escritos por quem sabe – todos procurando dar o seu contributo para que a investigação em Portugal possa ser devolvida à paz dos cemitérios e os tribunais deixem de se intrometer na serena circulação do dinheiro.
O motivo do meu alegado descontentamento é outro. Advém de constatar a lentidão da Justiça, mas não naquela fase em que arguidos e réus normalmente gritam com ela, no que estão no seu direito. Tem a ver com a fase em que os condenados com posses se remetem a um oportuno silêncio e aproveitam todas as oportunidades para continuar sem pagar a respetiva dívida à sociedade, podendo mesmo, em certas ocasiões, receber o prémio da prescrição.
Proponho uma breve reflexão sobre um processo que dura há mais de oito anos, o Face Oculta, e o percurso emblemático de um dos muitos réus condenados em consequência – Armando Vara.
Resumo: o processo foi aberto em outubro de 2009. A acusação surgiu em 2011. O Tribunal de Aveiro, em primeira instância, pronunciou-se em 5 de setembro de 2014. O Tribunal da Relação do Porto, em recurso, a 5 de abril de 2017, manteve a pena de cinco anos devida a três crimes provados de tráfico de influências. Eliminada a possibilidade de novo recurso, agora para o Supremo, o que só é permitido para crimes superiores a oito anos, Armando Vara agarrou-se, humanamente, à última tábua de salvação: o Tribunal Constitucional, no qual andará a tentar provar que foi condenado por leis incompatíveis com a Constituição da República.
E é aqui que estamos. Os juízes especialistas constitucionais a ponderar e Armando Vara à solta, assim como outros réus de um caso que teve 34 acusados e no final tem dez condenados a penas de prisão efetiva, entre os quais o cabecilha sucateiro Manuel Godinho, e José Penedos, que chegou a ser presidente da REN.
Ou seja, quase a ser julgado de novo, agora no âmbito de outro escândalo nacional, o processo Marquês, durante o qual foi detido preventivamente durante quatro meses, em 2015, e em que chegará acusado de um crime de corrupção passiva de titular de cargo político, dois crimes de branqueamento de capitais e dois crimes de fraude fiscal qualificada, ou seja, de cumplicidades várias com o amigo de sempre, José Sócrates, o cidadão Armando Vara, suspeito de ter guiado a CGD a perder cerca de 100 milhões de euros no empreendimento Vale do Lobo, goza de liberdade absoluta, como se nada tivesse acontecido.
Já não acho normal que, em Portugal, os bens de criminosos condenados não sejam, de imediato, cativados para pagamento dos prejuízos causados, como nos países socialmente evoluídos. Muito menos entendo estes tempos de tramitação tranquila.
Se for para melhorar e acelerar o funcionamento da Justiça, venha de lá esse pacto. Se não, para mal, já basta assim.