A maioria das pessoas não terá dado conta, mas daqui a dois dias o combate à precariedade é reforçado com a entrada em vigor da lei 55/2017, que permite aprofundar a ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho ao trabalho não declarado, como os falsos estágios, o falso voluntariado, as falsas bolsas e o trabalho informal. Até aqui, este mecanismo só podia ser usado para combater os falsos recibos verdes.

O procedimento é simples: sempre que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) identificar ou receber uma queixa de uma situação de trabalho não declarado notifica o empregador para corrigir a situação. Se o empregador cumprir com a lei o processo é imediatamente arquivado. Se isso não se verificar, os inspetores do trabalho participam os factos ao Ministério Público. Até agora, este procedimento de combate à precariedade só podia ser usado no caso de falsos recibos verdes, mas agora o seu âmbito foi aumentado e o número de situações previstas é muito maior. E sempre que estejam presentes as características de um contrato de trabalho, apesar de não haver nenhum assinado, a lei pode ser ativada.

Mas não é só isto que muda com a nova lei, há mudanças também no Código do Processo do Trabalho para que os trabalhadores sejam protegidos durante o processo de regularização do vínculo. Ou seja, um empregador que em resposta à notificação da ACT despeça o trabalhador verá o Ministério Público avançar automaticamente com um procedimento cautelar de suspensão desse despedimento. E deixa de estar prevista a possibilidade de audiência entre as partes, porque era muitas vezes usada como forma de chantagem dos empregadores sobre os trabalhadores, começando o julgamento com a produção de provas. O novo procedimento reforça assim o papel do Ministério Público, oferecendo-lhe legitimidade no processo e ficando claro que o combate à precariedade é uma causa pública.

Finalmente, há mais uma grande diferença: a partir de 1 de agosto, a sentença do tribunal é comunicada automaticamente à ACT e à Segurança Social para que, no caso de se provar uma relação laboral, o empregador seja notificado para regularizar todas as contribuições devidas desde a data de início da relação laboral.

Esta nova lei é uma pedrada no charco não só pelo reforço que faz no combate à precariedade, mas também porque resulta de um caminho pouco comum na política portuguesa.

A lei de combate aos falsos recibos verdes (lei 63/2013), que agora foi expandida, nasceu de uma iniciativa pioneira na sociedade portuguesa, porque foi com a recolha de mais de 40 mil assinaturas, no rescaldo da manifestação da Geração à Rasca em 2012, que um conjunto de organizações e cidadãos propuseram uma lei aos deputados da Assembleia da República.

Apesar de estarmos nos anos da troika e do governo PSD/CDS, a iniciativa legislativa de cidadãos fez caminho e a 1 de setembro de 2013 foi publicada em Diário da República a lei de combate aos falsos recibos verdes, garantindo um novo procedimento de reconhecimento do contrato de trabalho. Desde que está em funcionamento, quase duas mil pessoas que trabalhavam a falsos recibos verdes puderam ver a sua situação laboral regularizada.

Mais recentemente, o Grupo de Trabalho do PS e do Bloco de Esquerda para a preparação de um Plano Nacional contra a Precariedade, preparou a alteração à lei de combate aos falsos recibos verdes, expandindo o seu âmbito aos falsos estágios, ao falso voluntariado, às falsas bolsas e ao trabalho informal. A 19 de maio de 2017 a lei foi aprovada com os votos favoráveis de PS, BE, PCP e PEV, e votos contra do PSD e CDS.

É curioso que uma alteração tão importante às leis laborais tenha acontecido sem nenhuma repercussão mediática, ainda mais depois de um caminho exemplar de participação cidadã e de compromisso entre forças políticas fruto da nova maioria parlamentar.

Seja como for, dia 1 de agosto entra no combate à precariedade um tanque de batalha.