A propósito do Orçamento do Estado para 2018 (OE2018) não devemos iludir-nos com um certo discurso oficial que revela uma inegável tendência em moldar a realidade à medida dos anseios dominantes. Este discurso diz-nos, por exemplo, que o défice das contas públicas está em franca redução, sendo esta trajetória apresentada como afirmação categórica de um esforço sustentado de consolidação orçamental.

Vale a pena, porém, tomar algumas precauções perante estas notícias demasiado apressadas, que valorizam apenas os elementos positivos do cenário macroeconómico e tendem a ocultar os aspetos negativos, como o agravamento persistente da nossa dívida pública.

Creio ter chegado a altura de se desmistificar aquilo que tem sido feito em termos de redução do défice. Estamos perante um tema em que as palavras, mais do que clarificar, acabam por confundir. Porque o défice que mais precisamos de reduzir é o ‘estrutural’ – ou seja, aquele que resulta da diferença entre as receitas e as despesas públicas, sem contar com efeitos de ordem temporal ou conjuntural.

As regras europeias dizem que o défice estrutural deve ser calculado sem medidas extraordinárias nem os inevitáveis efeitos do ciclo económico. Acontece que pouco ou quase nada se tem feito neste domínio: o défice que vai diminuindo é o nominal, devido essencialmente a causas de natureza meramente conjuntural resultantes da fase atual do ciclo económico (p.e. redução do preço do petróleo) ou de políticas europeias de limitado alcance temporal (p.e. compra de ativos por parte do Banco Central Europeu).

No contexto do nosso Orçamento do Estado para 2018, quando a redução do défice prevista de 1,4% para 1% do nosso PIB se obtém em larga medida à custa da descida dos juros (segundo me apercebi, o impacto andaria à volta de três quartos do total) fará algum sentido falar-se em consolidação orçamental ou de reequilíbrio das contas públicas? Não me parece, atenta a sustentabilidade deste indicador, na verdade francamente mais ilusória do que algumas fontes persistem em não admitir.

É tempo de nos interrogarmos, sem rodeios nem sofismas, quanto a questões que põem à prova uma análise de sensibilidade do OE2018 como, por exemplo, a seguinte: admitindo que a política de QE (Quantitative Easing) do BCE irá terminar em breve, pelo menos nos moldes atuais, será que conseguiremos continuar a financiar-nos com taxas de juros mais baixas, de molde a prosseguir a consolidação orçamental que tanto ambicionamos?

É uma pergunta que me parece ainda mais pertinente numa altura em que vamos começar a discutir o OE2018 na especialidade. À consideração dos nossos deputados.