Pedro Passos Coelho tem razão: é preciso pôr os pés na terra, aproveitar o bom momento da economia para reformar setores do Estado, em particular a segurança social, de modo a garantir o futuro, alcançar estabilidade e confiança. Não basta crescimento, disse, mas também “níveis de bem-estar e de felicidade superiores”, promovendo a igualdade de oportunidades e combatendo “as desigualdades económicas e sociais”.
O problema é que o bom momento da economia é uma noção frágil e fugaz. Nas palavras de João Moreira Rato, no Público, vivemos “a fábula da política orçamental pro-cíclica” e, para fugirmos à situação de risco em que o país ainda vive, será necessário baixar a dívida para rácios mais reduzidos. De facto, as últimas notícias não são nada animadoras.
O saldo conjunto das balanças corrente e de capital foi negativo em 447 milhões de euros nos primeiros cinco meses deste ano, o que traduz um agravamento das contas externas de Portugal. Segundo o FMI, o défice de Portugal vai subir até 2,6%, não haverá ajustamento estrutural e a economia vai perder velocidade até 2021. O ajustamento estrutural também não se verifica, calcula o FMI. Dos cerca de 130% do PIB em que estava no final de 2016, o rácio reduz para apenas 123,7% em 2021, contra a previsão de 109,4% do governo. No que respeita ao crescimento da economia real, o FMI prevê que estará a crescer menos de 1% em 2021, ano em que o Governo espera mais do dobro do ritmo (2,2%). O desemprego ficará igual, nos 10,6% da população ativa. E o excedente corrente de 0,8% de 2016 irá transformar-se em défice de 0,3% neste ano e irá piorar para 0,4% em 2018.
A verdade é que o presumível bom momento da economia (“a festa”, como lhe chama Passos Coelho) é fugaz e muito insuficiente para arrancar o país da crise permanente. O momento atual é o resultado, em boa parte, de fatores externos favoráveis, fora do nosso controlo, que aumentaram a procura de produtos e serviços portugueses. É certo que a decisão de muitos empresários e empreendedores em pegar nas malas e partir a desbravar mercados é corajosa, eventualmente frutuosa, e deve ser mantida e ampliada. Outra parte é o resultado de políticas de atração de capital, como é o caso dos vistos de residência e a fiscalidade generosa.
Mas muito falta fazer para potenciar Portugal. Os estudos setoriais “Portugal – Uma Estratégia para o Crescimento desenvolvidos pelo Forum para a Competitividade não fazem apenas o diagnóstico. São um contributo sério e criativo para arrancar Portugal da crise permanente. Devem ser considerados na prossecução das políticas públicas.
Parte do crescimento atual tem origem no turismo, um setor caracterizado por grande elasticidade da procura. Claro que a promoção digital realizada pelos organismos do turismo tem consequências positivas, mas se o receptor não estiver aberto a receber a mensagem de pouco servirá o investimento. Por sorte, Portugal beneficia de um momento de “good will” sem igual na história do turismo nacional. Os fatores positivos podem mudar a qualquer momento. Veja-se o colapso repentino de vários mercados turísticos tidos como estáveis e tradicionais.
Por todas estas razões devo confessar que temo que só pode ser pelo chamado “social default“, também chamado depreciativamente “espírito de rebanho”, que muitos portugueses estão a endividar-se com créditos à habitação com o objetivo de arrendar as casas hipotecadas ao banco no mercado do alojamento local. Não só poderá haver já excesso de oferta (haverá?), como qualquer inesperada externalidade negativa pode levar esses projetos à ruína.
Os estudos “Social Defaults: Observed Choices Become Choice Defaults” (2014) no Journal of Consumer Research, concluíram que quando as pessoas não têm uma opinião forte sobre as escolhas que se lhes deparam, simplesmente imitam as pessoas à sua volta. Em vez de despenderem tempo a fazer perguntas, ou a aprender sobre produtos, as pessoas socorrem-se do “social default”, entram docilmente no rebanho. Participantes naqueles estudos escolheram produtos de qualidade inferior apenas porque os outros os tinham escolhido.
Os autores concluíram que “as formas de influência social estão mais impregnadas do que se pensava”. Os processos automáticos que subjazem à imitação dos comportamentos revelam não apenas influência da comunicação não-verbal, das emoções e de comportamentos, mas também quando, sem se informarem, adoptam as mesmas preferências que outros consumidores.
De facto, é bem conhecido o papel dos líderes de opinião e dos “innovators” na adoção de novos produtos e serviços. As pessoas que agora se endividam irão iniciar um negócio que muitos outros já desenvolvem desde há muito – os inovadores e os “early adopters” –, pelo que deveriam fazer um pequeno plano de negócio que inclua um estudo de mercado, mesmo que rudimentar, um PESTEL e um SWOT. É possível que essas duas técnicas de análise revelem sérios fatores de risco que desaconselham agora esse tipo de investimento. Haverá alguns casos em que se justifica o recurso ao crédito e investimento no alojamento local, mas as análises deverão tornar aparente que as vantagens claramente superam as desvantagens, eventualmente.