Percebo a intenção de reflectir sobre a violência no desporto, em particular a que afecta o futebol, precisamente no espaço mais nobre da Assembleia da República. Os organizadores quiseram levar a discussão para o centro do debate político, lembrar aos agentes desportivos, como fez Fernando Gomes, presidente da FPF, no seu discurso, que são necessárias leis e regulamentos mais eficazes para combater um fenómeno que demasiadas vezes se gera no descrédito fomentado pelos próprios dirigentes e outros responsáveis. E para isso também é preciso ‘explicar’ a quem habitualmente frequenta aquele espaço, os deputados, legisladores, o que se espera deles, da sua responsabilidade e obrigação.
Não tenho a certeza de que o pessoal político tenha recebido a sua parte da mensagem, principalmente aqueles que se dedicam ao ‘biscate’ remunerado na SporTV, a pretexto de analisarem as incidências da semana futebolística. Para esses, inteligentemente repartidos por quase todos os partidos, não vá o regulador ser demasiado perspicaz a analisar a confederação no principal negócio do futebol (os direitos televisivos) dos três grandes operadores de telecomunicações, chamados a preencherem a progressiva falta de músculo financeiro do antigo monopólio de Joaquim Oliveira (reservando-lhe ainda assim um quarto do bolo), a chamada de atenção faz todo o sentido. É preciso que os deputados percebam que a sua lealdade não é para ser demonstrada aos clubes cuja camisola vestem nesses espaços de banalidades. Nem aos interesses a que ficam devedores, porque nunca há almoços grátis. A única irmandade que os deveria mobilizar seria a de um desporto com leis que não permitisse aos dirigentes comportarem-se como instigadores de muito daquilo que de mal acontece.
Há bastante trabalho a fazer com o pessoal político.
Eu recordo-me de como Pinto da Costa, que inventou os petiscos com deputados na Assembleia, era recebido em delírio pelos simpatizantes e sócios do seu clube com assento no hemiciclo da República. E de como, logo depois, Benfica e Sporting não se ficaram atrás proporcionando a muitos outros representantes do Povo a possibilidade de perceberem a felicidade do “emplastro” verdadeiro, comportando-se, aliás, como tal.
Do ponto de vista de quem acompanha de fora, entendo a convocação de todos os clubes, embora, no momento atual, resulte perverso ver ali como protagonista destacado alguém que, como Bruno de Carvalho, se tem comportado como potencial rastilho de muitos problemas. Ainda estão frescas as suas lamentáveis e insultuosas intervenções na semana do recente Braga-Sporting.
Também é desanimador, mesmo que Luís Filipe Vieira se tenha mantido calado, constatar que o presidente do clube que acha que não tem claques, e por isso não as legaliza, como seria a sua obrigação, está ali como se não tivesse a responsabilidade de retirar o nome do Benfica do apoio a organizações semi-clandestinas que têm práticas violentas e pelo menos já dois mortos no cadastro.
E, porque não estive lá e só vi o que a comunicação social mostrou, sempre gostaria de saber se alguém perguntou às forças policiais, ali representadas, o que fizeram perante os conflitos que se travaram há poucos dias nas instalações da Justiça, no Parque das Nações, em Lisboa. Foram aqueles desordeiros identificados, proibidos de frequentar os eventos desportivos, como aconteceria em Inglaterra ou qualquer outro país civilizado? Ou, como suspeito, vendo a habitual cumplicidade com que se conduzem as claques aos estádios, tudo se resolveu com a habitual placidez que é marca do compromisso podre e característico da sociedade portuguesa?
Não quero ser demasiado pessimista. Prefiro, ainda, acreditar que mesmo com estes protagonistas alguma coisa pode mudar. Que a lei não contemporizará eternamente com tiranetes. Que no edifício do desporto e do futebol se perderá o medo às guardas pretorianas. Só nessa altura poderemos saborear devidamente golos como os de Cristiano Ronaldo à Juventus; discutir como esta semana Vítor Pereira ganhou a Paulo Bento num excelente jogo na China; percebermos o que vale o momento divertido da conferência de imprensa conjunta entre Mourinho e Carvalhal na Premiership; descobrir o novo goleador da família Vidigal que brilha no Fortuna Sittard; e, por cá, enaltecer o profissionalismo dos jogadores do Belenenses na vitória sobre o FC Porto, que expurgou os fantasmas convocados por antecedência; desfrutarmos de uma Liga competitiva e emocionante, na qual quatro equipas ainda podem matematicamente ganhar o título, e que inaugurou o VAR, dando um grande exemplo de busca da verdade desportiva no País campeão da Europa.
Esperemos, então, melhores notícias – porque de boas intenções está o futebol português cheio.