A revisão ao Código dos Contratos Públicos (CCP) operada pelo Decreto-Lei nº 111-B/2017 de 31 de agosto (em vigor desde janeiro), trouxe-nos como uma das principais novidades a figura do Gestor do Contrato (GC), prevista no respetivo artigo 290º-A. Esta figura insere-se nas medidas de transparência e boa gestão pública, a par de outras como a consulta preliminar e a consulta prévia, que a revisão do CCP veio preconizar.

O GC será alguém designado pelo contraente público (entidade adjudicante) com a função de acompanhar permanentemente a execução do contrato, e a quem incumbem acrescidos deveres de elaboração de indicadores de execução e de identificação de desvios, defeitos ou outras anomalias (com elaboração de relatórios propondo medidas corretivas), para contratos que apresentem uma especial complexidade técnica ou financeira ou uma duração superior a três anos.

Parecendo inquestionável a relevância prática desta nova figura enquanto verdadeiro “catalisador” de um salto qualitativo na gestão dos contratos públicos, certo é que a mesma coloca um conjunto de desafios e de questões aos vários players que importa considerar o quanto antes, sob pena de os resultados pretendidos ficarem muito aquém do desejado.

Começando pelas entidades adjudicantes (Estado, autarquias locais, empresas públicas, etc.) deverão aquelas preocupar-se em adequar a sua estrutura organizacional e os seus quadros a esta nova exigência, identificando e selecionando criteriosamente as pessoas que podem vir a ser chamadas ao exercício desta função e conferindo-lhes a adequada formação.

Sendo que, neste aspeto, importa ter em conta que a fortíssima descapitalização de quadros (muitas vezes precisamente os mais experientes e qualificados) que o setor público tem vindo a sofrer nos últimos anos, dificilmente deixará de constituir um óbice ao acolhimento “confortável” desta nova figura.

Por outro lado, na perspetiva das entidades adjudicatárias (empreiteiros, prestadores de serviços, etc.), deve haver uma adequada consciencialização de que passam a estar sujeitos a um escrutínio mais “musculado” e exigente por parte da entidade que os contratou, com especial relevância ao nível das consequências negativas que poderão sofrer em caso de incumprimento contratual e que podem implicar, em certos casos, a proibição de participação em procedimentos de formação de contratos públicos pelo prazo de um ano.

Quanto ao organismo responsável pela regulação dos contratos públicos (Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P.), assumirá aqui certamente um importante papel, não só no acompanhamento e monitorização da aplicação deste regime por parte das entidades adjudicantes, como também no próprio esclarecimento das mesmas.

Finalmente, da parte das entidades auditoras e fiscalizadoras, com destaque para o Tribunal de Contas e para a Inspeção-Geral de Finanças, revela-se pertinente que as mesmas saibam interpretar e ter na devida conta as dificuldades iniciais de adaptação e de cumprimento escrupuloso por parte dos entes públicos a este novo regime.

Como últimas notas, de referir ainda que o GC: i) pode e deve socorrer-se do apoio técnico humano e material que considerar necessário ao cabal desempenho das suas funções; ii) deve atuar com elevado sentido de responsabilidade e em conformidade com as regras comuns de boa gestão aplicáveis ao caso concreto, sob pena de poder incorrer em responsabilidade disciplinar, civil e/ou criminal, consoante o grau de ilicitude verificado; iii) deve merecer o adequado apoio por parte da estrutura organizacional em que estiver inserido.