Na passada segunda-feira, para comentar a boa-nova de que a Comissão Europeia libertara Portugal do “procedimento por défice excessivo”, a RTP achou por bem emparelhar o conhecido economista Vitor Bento com o habitual comentador da estação Fernando Teixeira dos Santos, que passou os 28 minutos do segmento a aplaudir o “reconhecimento” do “esforço” que a sociedade portuguesa fez e a dizer que “há que manter esta linha de rumo” de “rigor” orçamental para “manter a confiança que já se faz sentir”, e “não se perder esta oportunidade para consolidar estes ganhos”, depois de se “aprender com os erros cometidos no passado”: “os telhados”, concluiu, “consertam-se quando faz sol, não quando está a chover”.
Teixeira dos Santos falou como se nunca tivesse tido responsabilidades governativas, nem no caminho que obrigou os portugueses ao tal “esforço” de que falou. Mas teve, e grandes, por muito que a RTP (que imagino não lhe pague pouco) e quem o ouve como uma voz credível, esqueça ou finja esquecer que ele foi durante anos, e até para além do dia em que foi preciso chamar “a troika”, o ministro das Finanças do ex-primeiro-ministro sob suspeita de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais – José Sócrates.
Teixeira dos Santos chegou ao Ministério das Finanças bem no início do consulado “socrático”, depois – sublinhe-se – do pobre Luís Campos e Cunha se ter inicialmente deixado enganar pela propaganda do “engenheiro” e posteriormente apercebido daquilo em que se tinha metido, tendo vindo então a público afirmar que o caminho que se estava a iniciar acabaria por ter resultados desastrosos. Teixeira dos Santos, que obviamente não desconhecia o aviso, não entendeu que este merecesse cuidado, e aceitou substituir Campos e Cunha no Ministério das Finanças. A partir desse momento e até ao fim, tornou-se e permaneceu um cúmplice e co-responsável pela fraudulenta política financeira de Sócrates.
Teixeira dos Santos era o ministro das Finanças quando o governo de Sócrates fingia, através dos mais variados truques, cumprir um défice que estava longe de estar efectivamente controlado. Era o ministro das Finanças quando o governo de Sócrates se entreteve a aumentar a despesa pública para dar “confiança” à economia. Era o ministro das Finanças quando o governo de Sócrates, à beira de eleições, decidiu comprar votos com um aumento de salários dos funcionários públicos e uma descida de impostos que abriram um buraco no Orçamento, do qual Portugal nunca mais conseguiu sair. E era o ministro das Finanças quando o governo de Sócrates andou alegremente de PEC em PEC até à bancarrota final.
Depois da derrocada, relatos mais ou menos detalhados do caos no “bunker” socrático naqueles atribulados dias do seu crepúsculo começaram a sair na imprensa, e fizeram Teixeira dos Santos parecer, por comparação com o primeiro-ministro e alguns dos seus acólitos, um tipo sensato que, à beira do descalabro, não ignorava a realidade como o alucinado líder governativo que achava que tudo estava bem. Mas o facto de ter sido a pessoa que confrontou o lunático que o chefiava com a fatal constatação de que a loucura pela qual partilhavam responsabilidade tinha chegado ao fim, não o iliba de ter sido co-autor dessa loucura.
É claro que Teixeira dos Santos, como qualquer outra pessoa, até maus governantes como foi o seu caso, tem o direito de se vir aliviar publicamente dos seus estados de alma sobre a actualidade. Mas num país normal, com uma comunicação social que merecesse ser respeitada pela população e que se desse ao respeito, ninguém lhe daria o palanque que televisões e jornais lhe continuam a dar. Que a RTP, paga com o dinheiro dos portugueses, seja um agente cimeiro da imerecida reabilitação de Teixeira dos Santos só piora as coisas. E que fora do PS e das redacções que lhe são simpáticas haja quem esteja convencido de que Teixeira dos Santos é mesmo uma voz credível que merece ser ouvida sobre a situação e o futuro de Portugal, ajuda bastante a explicar como o país é o que é.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.