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O Presidente falou e o primeiro-ministro obedeceu

Da demissão da ministra ao pedido de desculpa, António Costa cedeu em toda a linha à pressão de Marcelo Rebelo de Sousa. Governo tem margem em Bruxelas para fazer face aos prezuízos causados pelos incêndios.
Adriano Machado/Reuters
22 Outubro 2017, 15h15

Mais do que a tradicional magistratura de influência, foi uma demonstração de poder. O Presidente da República ameaçou com o exercício de “todos os seus poderes” e o primeiro-ministro cedeu à pressão, logo no dia seguinte, atendendo a todas as exigências. Começando pela aceitação da demissão da ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, que já tinha pedido para sair – “insistentemente” – há quatro meses, “logo a seguir à tragédia de Pedrógão Grande”, lê-se na carta (divulgada na quarta-feira) em que a ministra formalizou o seu pedido de demissão a António Costa, rematando: “Até para preservar a minha dignidade pessoal”.

“O Presidente da República pode e deve dizer novamente que espera do Governo que retire todas, mas todas, as consequências da tragédia de Pedrógão Grande, à luz das conclusões dos relatórios, como de resto o Governo se comprometeu publicamente a retirar”, afirmara Marcelo Rebelo de Sousa, na noite de terça-feira. E além da referida ministra, também o presidente da Autoridade Nacional de Proteção Civil, Joaquim Leitão, apresentou o seu pedido de demissão, já na quinta-feira. É provável que sejam “retiradas” mais “consequências” nos próximos dias, tal como exigiu Rebelo de Sousa.

“Nessas decisões não se esqueça daquilo que nos últimos dias confirmou ou ampliou as lições de junho e olhe para estas gentes, para o seu sofrimento, com maior atenção ainda do que aquela que merecem os que têm os poderes de manifestação pública em Lisboa”, alertou Rebelo de Sousa. E no dia seguinte Costa garantiu que o Estado vai indemnizar as famílias afetadas pelos incêndios que deflagraram em Pedrógão Grande.

“A melhor, se não única, forma de verdadeiramente pedir desculpa às vítimas de junho e de outubro, e de facto é justificável que se peça desculpa, é por um lado reconhecer com humildade que portugueses houve que não viram os poderes públicos como garante de segurança e de confiança, e por outro lado romper com o que motivou a fragilidade, ou motivou o desalento ou a descrença dos portugueses”, instou. E Costa pediu desculpa, na Assembleia da República, mas a pedido de Hugo Soares, líder da bancada parlamentar do PSD.

“Esta é a última oportunidade para levarmos a sério a floresta e a convertermos em prioridade nacional. Com meios para tanto, senão será uma frustração nacional. Se houver margens orçamentais, que se dê prioridade à floresta e à prevenção dos fogos”, pediu, secundado por PCP e BE no debate quinzenal do dias seguinte. E Costa abriu a porta a modificações no Orçamento do Estado para 2018 (OE2018). Entre outras cedências. Porque Rebelo de Sousa avisou que “estará atento e exercerá todos os seus poderes para garantir que onde existiu ou existe fragilidade ela terá de deixar de existir”.

“Circunstâncias excecionais”

Em quatro meses registaram-se 108 mortes provocadas pelos incêndios florestais. Com o país ainda na ressaca da tragédia de Pedrógão Grande, as centenas de incêndios que deflagraram no domingo, estendendo-se até segunda-feira, resultaram em 43 mortos e cerca de 70 feridos.

As críticas às deficiências de coordenação entre os poderes públicos intensificaram-se, com a incapacidade da Protecção Civil, GNR e bombeiros em dar resposta às populações.

O ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural já antecipou que os prejuízos dos últimos incêndios devem superar os registados no fogo de Pedrógão Grande: “Pela área geográfica agora atingida e pela violência do incêndio, não é difícil chegar à conclusão que estes prejuízos superarão muito largamente esse montante”, disse Luís Capoulas Santos. Também o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Vieira da Silva, admitiu que o Governo pode desencadear mecanismos semelhantes aos de Pedrógão Grande para os concelhos afetados pelos incêndios de domingo.

A contabilização da despesa às reparações dos prejuízos causados pelos incêndios poderá, no entanto, não contar para o défice, à semelhança das ameaças terroristas em alguns países europeus ou os tremores de terra em Itália.

A porta a esta possibilidade foi aberta em Bruxelas pelo comissário europeu dos Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, que apontou estes exemplos. “Parece-me absolutamente natural que (…) tenhamos uma abordagem inteligente e humana face às despesas públicas das autoridades portuguesas para fazer face aos incêndios, e que sejam consideradas circunstâncias excecionais no quadro da avaliação do Orçamento”, defendeu.

O Jornal Económico sabe que o Governo já tinha preparado junto de Bruxelas um conjunto de argumentos para que este esforço não fosse contabilizado no ajustamento estrutural e que as regras europeias permitirão esta excepção.
A possibilidade levantada por Moscovici será debatida em plenário europeu no próximo dia 26. Mas o comissário já assumiu a “responsabilidade” enquanto responsável pela pasta da Economia e Finanças e da Comissão de ter “uma abordagem humana”.

Este sábado, quando o Conselho de Ministros extraordinário se reunir irão estar em cima da mesa as propostas e recomendações do relatório da Comissão Técnica Independente, garantiu o primeiro-ministro. Entre as medidas recomendadas conta-se a criação de uma Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais, a reformulação da Autoridade Florestal Nacional ou a Criação de programa específico que compense a perda de rendimento por alguns anos para a criação de florestas de carvalhos, castanheiros e outras folhosas.

O Governo não está a determinar as medidas condicionado pela folga orçamental. Na perspectiva do Executivo, não é a folga que determina as medidas, mas são as medidas que justificam ou não a despesa.

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