Numa cerimónia de propaganda em Évora realizada na semana passada, o primeiro-ministro António Costa regozijou-se por Portugal ter conseguido, “pelo segundo ano consecutivo, o primeiro lugar no nível de execução” dos fundos comunitários e “os 1.300 milhões de euros de fundos colocados” nos sortudos que deles beneficiaram, acrescentando que o seu “objectivo” é “chegar ao final deste ano com dois mil milhões de euros dos fundos colocados às empresas”.

Este momento de auto-satisfação de Costa – coisa a que ele é muito dado, diga-se de passagem – fez-me lembrar um artigo de há 15 anos, em que a The Economist duvidava da ideia de que os fundos europeus beneficiavam os países que os recebiam. Para a revista britânica, os fundos só continuavam a existir, não por produzirem bons resultados, mas por serem essencialmente um instrumento de propaganda, quer para a União Europeia (que com eles espera comprar as simpatias dos cidadãos dos vários países que a constituem) quer para os governos nacionais (que os usam para financiar os mais variados projectos com que esperam seduzir eleitores).

Na prática, prosseguia o argumento, só criavam problemas, ao fazerem com que os governos “gastem o dinheiro dos contribuintes em esquemas que de outra forma dispensariam”. Por outras palavras, os subsídios europeus “distorcem prioridades” ao criarem oportunidades às empresas de “explorarem a disponibilidade de subsídios” para a “construção e ‘formação’, em vez de responderem às reais necessidades do mercado”.

Um argumento semelhante foi desenvolvido entre nós por Carlos Guimarães Pinto, Miguel Botelho Moniz e Ricardo Gonçalves Francisco no livro O Economista Insurgente: “os subsídios europeus foram bem aproveitados no desenvolvimento de infra-estruturas públicas e no crescimento de certos sectores”, mas “os beneficiários apenas se têm que preocupar em preencher todas as exigências burocráticas exigidas pela autoridade gestora dos fundos”.

Assim, “pessoas e empresas que teriam aplicado os seus esforços noutro tipo de actividades” deslocaram-nos para investimentos que apenas eram rentáveis por decisão, não das preferências das pessoas através de cuja procura se criasse um mercado para eles, mas das estruturas políticas europeias e nacionais, que definiam o que era “estratégico” e “prioritário”. Ora, o grande problema dos subsídios europeus está em desviarem recursos e esforços da procura de um bom negócio para a obtenção de “rendas” provenientes dos cofres estatais.

Talvez por isso o recém-eleito líder do PSD, Rui Rio, tenha feito saber que, no seu entender, os novos fundos deverão ser canalizados para a investigação científica e infra-estruturas que potenciem as exportações, e não para projectos que satisfaçam os interesses de lobbies. Mas, embora louvável, este desejo de aproveitar os fundos europeus para actividades que tragam algum benefício em vez de se repetirem os erros das últimas décadas acabará, provavelmente, por se revelar infrutífero.

Mesmo que Rio e o PSD cheguem ao poder, por muito que distribuam escrupulosamente o dinheiro dos fundos por investimentos que julguem ser inteiramente meritórios, essa será sempre uma decisão política, para não dizer burocrática. Esses investimentos serão beneficiados, não porque oferecem aos potenciais clientes bens ou serviços que estes entenderam ter valor, mas porque o Estado decidiu dar-lhes esse dinheiro.

Por muito ajuizada que seja a decisão, ela manteria o problema inerente aos fundos: substitui o mercado da oferta e procura de bens e serviços pelo do acesso aos corredores do poder e da troca de favores. Por muito que o Estado passe a ter prioridades mais sensatas, o simples facto de ser o Estado a defini-las e a distribuir o dinheiro que lhes será destinado faz com que a actividade de quem acabar por obter esses fundos seja, em primeiro lugar, o lobbyismo junto dos decisores políticos, não aquela que o Estado teria considerado prioritária.

O problema dos fundos europeus não está na qualidade da decisão política de quem os distribui. Está no facto de serem distribuídos por decisão de um governo, com todos os riscos (complicações burocráticas, corrupção, etc.) que lhe são inerentes.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.