Com a apresentação da proposta de OE para 2018, há uma classe de contribuintes que, ao que tudo indica, regressará aos tempos da troika: os trabalhadores independentes, por conta própria ou profissionais liberais. A confirmar-se o previsto na proposta de OE, estes contribuintes serão alvo de um “enorme aumento de impostos”, uma vez que se pretende acabar com a dedução automática de 25% de despesas.

Atualmente, os trabalhadores por conta própria que faturam até 200 mil euros anuais podem optar por pagar IRS através do chamado regime simplificado, que dispensa a entrega de faturas, uma vez que o Estado presume despesas equivalentes a 25% do rendimento. A dedução automática passará a ficar-se pelos 4.104 euros, tal como sucede no trabalho dependente (que tem uma dedução específica deste montante), equiparando assim as duas categorias, não obstante a natureza distinta dos dois tipos de trabalho.

A medida, ainda que politicamente hábil, é injusta e aponta no sentido errado.

É politicamente hábil porque o Governo não admite que aumenta os impostos para estes contribuintes. Ao contrário do ministro Vítor Gaspar, que dava as notícias sem tempero – o que, desde logo, também dizia muito da sua aptidão política para o cargo –, Centeno pretendeu apresentar a notícia como se fosse boa. O ministro das Finanças afirmou que os trabalhadores independentes vão, tal como todos os outros trabalhadores em Portugal, pagar menos IRS devido às alterações nas taxas dos escalões e à eliminação da sobretaxa. E que no essencial nada muda porque os limites das deduções de despesas não são alterados. Apenas se substitui a dedução automática, pela necessidade de justificar as despesas, em nome da transparência fiscal.

Ora, o argumento não é sério, na medida em que se estima que, na grande maioria dos casos, os profissionais liberais que beneficiam deste regime – cerca de 600 mil – muito dificilmente conseguirão apresentar 25% do seu rendimento de despesas elegíveis, passando por isso a entregar ao Estado mais ou muito mais imposto do que fazem atualmente.

E, por isso, a medida é intrinsecamente injusta. Ao prever a dedução automática, o Estado, sob a capa da dedução de despesas, procura também compensar as circunstâncias de risco e de precariedade em que os trabalhadores independentes se encontram. E bem. Recorde-se que nesta categoria encontram-se os que correm o risco do seu negócio, que não têm um contrato de trabalho, a segurança de não poder ser despedidos, ou os subsídios de férias ou de natal. Com esta medida, passa a tratar-se de forma equivalente, estes e os que têm tudo isso enquanto trabalhadores dependentes.

Por fim, a medida aponta também no sentido errado. Por um lado, numa era em que se pretende promover a simplificação de procedimentos, na era do simplex, o Governo introduz um nível de complexidade e de burocracia para o cumprimento de uma obrigação fiscal que de “simplificado” passa a ter pouco ou nada. Por outro lado, numa conjuntura em que se pretendem dar passos para a flexibilização das relações laborais e promover o empreendedorismo, faria sentido conceder alguma proteção fiscal àqueles que, previsivelmente em número cada vez maior, ponderarão lançar-se por conta própria.

Com esta medida, faz-se exatamente o oposto. Os incentivos são os inversos e a mensagem que passa é a errada a quem poderia desempenhar um papel de fomento e dinamização da economia.