Desde que António Costa, seu amigo de longa data, assumiu o cargo de primeiro-ministro, em 2015, Pedro Siza Vieira como que manteve um pé dentro e outro fora do perímetro governamental. Não apenas pelo estatuto de “ministeriável”, isto é, repetidamente aventado como putativo novo ministro do Governo de Costa, mas sobretudo pelas nomeações como membro da Estrutura de Missão para a Capitalização das Empresas e do Grupo de Trabalho para a Reforma do Modelo de Supervisão Financeira. Além do seu envolvimento na criação de uma plataforma de gestão do crédito malparado, resultante de um acordo entre o Novo Banco, Caixa Geral de Depósitos e Millennium BCP.
Tudo isto ao mesmo tempo que é sócio e advogado da firma Linklaters (entre 2006 e 2016, aliás, exerceu as funções de sócio gerente), dirigindo o respetivo departamento de “Bancário e Projetos”. Ou seja, trabalhando com clientes (vários bancos e empresas) que têm interesses diretos nas matérias tratadas pelas referidas estrutura, grupo de trabalho e plataforma.
A partir de amanhã, quando tomar posse do cargo de ministro Adjunto do primeiro-ministro, Siza Vieira vai colocar os dois pés dentro do Governo de Costa. E lidar com matérias que se entrecruzam com a sua atividade na Linklaters, desde logo a renegociação do contrato de parceria público-privada firmado entre o Estado e a operadora do SIRESP – Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal. Foi precisamente a Linklaters que, em 2006, assessorou a concepção desse contrato, quando Costa liderava o Ministério da Administração Interna (MAI). Em julho de 2017, a Linklaters voltou a ser recrutada pelo MAI, desta vez para efetuar “uma análise jurídica” à cláusula do mesmo contrato que estabelece o critério da “força maior” para exonerar a operadora de responsabilidade pelo incumprimento “pontual” das suas obrigações.
Questionado sobre potenciais conflitos de interesses e eventuais medidas de precaução, nomeadamente abster-se de participar em reuniões do Conselho de Ministros que tratem de matérias relacionadas com a sua atividade na Linklaters, Siza Vieira remeteu a prestação de esclarecimentos para depois da tomada de posse.
No entanto, o Jornal Económico apurou que Siza Vieira vai alienar a sua quota na Linklaters e dispõe-se a cumprir o que está disposto no Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos e também no Código de Conduta do Governo, aprovado em setembro de 2016, cujo Artigo 7º (referente ao “suprimento de conflito de interesses”) estipula as seguintes regras: “Qualquer membro que se encontre perante um conflito de interesses deve comunicar a situação ao primeiro-ministro, quando se trate de ministro ou de secretário de Estado que dele diretamente dependa, (…) logo que detete o risco potencial de conflito”; e “qualquer membro do Governo que se encontre perante um conflito de interesses, atual ou potencial, deve tomar imediatamente as medidas necessárias para evitar, sanar ou fazer cessar o conflito em causa.”
Além do SIRESP, Siza Vieira também esteve ligado ao processo de privatização da TAP, tendo assessorado o empresário Humberto Pedrosa, dono do grupo Barraqueiro e acionista maioritário do consórcio Atlantic Gateway que passou a controlar a TAP (em parceria com o Estado que, através da Parpública, detém 50% do capital). O grupo Barraqueiro acaba de vencer o concurso para a subconcessão do Metro do Porto nos próximos sete anos.
Outra matéria sensível para o ministro Siza Vieira será o antigo Banif, entretanto absorvido no Banco Santander Totta. Em 2014, a Linklaters “tratou das negociações com a Comissão Europeia sobre o aumento de capital e reestruturação do Banif,“ segundo o diretório “The Legal 500”. No ano seguinte, a Linklaters participou na resolução do Banif que culminou na sua aquisição pelo Santander. Mais, a Linklaters também presta serviços à Oitante, veículo que gere os ativos tóxicos do Banif que o Santander rejeitou. Ao que acresce o facto de o Santander ter sido um dos principais clientes da Linklaters, ao longo dos últimos anos, no setor “Bancário e Projetos”, tal como o BPI, Novo Banco, entre outros.
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