Longe de imaginar que Donald Trump seria eleito, o antigo presidente tocou num aspeto importante: quem quer ser a potência mundial que guia os destinos do globo, tem de dar o exemplo.
Trump defende o isolacionismo dos EUA e tem tomado medidas internas que amesquinham as comunidades imigrantes que têm contribuído para a grandeza e sonho americanos. Tem, ainda, a veleidade de usar o mesmo argumento interna e externamente, quando considera que os países aliados são um custo para o Estado americano, tal como defende que os imigrantes exploram a economia e sociedade norte-americanas. Está a dar um exemplo de retorno ao estado nacional, fechado sobre si mesmo e inibidor das grandes instituições internacionais que garantiram que o liberalismo que os EUA sempre defenderam saísse vencedor na balança de poderes internacional.
Toda esta turbulência na política externa norte-americana tem sido tema de debate na imprensa internacional. Na passada semana a revista do Financial Times publicava um dossiê intitulado “The New World Disorder”, da autoria de Edward Luce, destacando a imprevisibilidade dos resultados deste novo modo de os EUA estarem no mundo. Acrescenta, ainda, o autor que esta política de Trump poderia capacitar atores até agora regionais a darem um impulso para uma maior influência junto dos antigos aliados dos EUA.
O que esse dossiê não refere é que parte desta imprevisibilidade resulta da inexperiência de Trump a lidar com a política internacional, em que nitidamente se sente menos à vontade do que na política interna. Assim, sente-se mais próximo de regimes e políticos autoritários em que as relações pessoais e concentração de poder se impõem, embora os seus principais aliados estejam nos países democráticos.
Trump entende que o discurso é tão real como os factos, porque mobiliza o imaginário coletivo, mas não percebe que não pode usar os mesmos argumentos para os discursos interno e externo. Esta reflexão sobre o discurso de Trump levou-me a voltar a um livro reeditado recentemente pelas Edições Afrontamento, da autoria de Moisés Lemos Martins, O Olho de Deus no Discurso Salazarista, em que se analisa o discurso do regime de Salazar e como este funcionou para consumo interno. Trump deveria ler este livro para perceber que os tempos mudaram e que o que funciona para dentro pode “desfuncionar” para fora. Sobretudo se for entendido como prenúncio para a desordem.