No meio das mortes terríveis numa estrada que nunca mais vai chegar a lado nenhum e do sofrimento desnecessário e muito perturbado dos que continuam na vizinhança assassina das labaredas infernais, sobrevive uma certeza que é cada vez mais uma evidência a que teremos que nos conformar, simples mortais: as alterações climáticas que todos nós patrocinamos com as nossas vidinhas ingloriamente confortáveis – os nossos automóveis, os nossos plásticos de supermercado, os nossos lençóis freáticos a transbordar de coliformes insidiosos – induzem manifestações naturais extremas cada vez mais numerosas. Até ao ponto, lá mais para a frente – até porque nenhum de nós consegue deixar de ser um agente provocador delas – em que essas manifestações deixarão de ser uma bizarria para se tirar fotos de telemóvel, para passarem a ser tão naturais como a chuva miudinha do outono.

O terrível drama de Pedrógão Grande foi provocado por uma trovoada seca? Com certeza que sim, porque não? Ou por outro arrebatador fenómeno qualquer, desses que um estudo nem sequer muito recente (2014 ou 2015, não interessa) da Universidade da Califórnia, Berkeley afirmava – em antecipação de Pedrógão Grande, mas para a posteridade – estar a entrar em regime de permanência: por cada um grau centígrado que o aquecimento global acrescente à temperatura média global, haverá 12% mais de trovoadas e relâmpagos (sem discriminação entre secos ou molhados).

Encafuados nas suas séries estatísticas e nas transformações das linhas das temperaturas a passar nos ecrãs dos computadores, os cientistas admitiam não conseguir determinar onde é que raio esses fenómenos iriam passar a acontecer – mas o certo é que iriam.

Os dados da pesquisa científica, entretanto apurados e transcritos para um número já gasto da revista ‘Science’, permitiam afirmar que, até ao final do século – se se der o caso de tudo isto sobreviver até lá – as condições de aquecimento resultarão num aumento de 50% dos ataques de relâmpagos. “Por cada dois raios que caíram sobre a terra no início do século, teremos três raios a cair no final do século”, disse David Romps, um dos cientistas da Universidade da Califórnia envolvidos no estudo.

Os investigadores sabem que isso representa morte: só nos Estados Unidos – país governado por um indivíduo que quer negociar a sua entrada nos Acordos de Paris sobre Alterações Climáticas (mas parece que, antes disso, quer sair) – morrem todos os anos entre três a quatro dezenas de pessoas por causa das trovoadas, sem contar com as que possam morrer por causa das suas eventuais consequência, como por exemplo os incêndios.

O que o incêndio de Pedrógão Grande, ou a derrocada anual das arribas junto ao mar, ou os vendavais a sul da cidade do Porto, ou os tornados em ponto pequeno numa freguesia improvável de Valongo ou de Gondomar ou de Cortegaça ou lá onde quer que tenham sido, ou o granizo quase de quilograma no cima Corgo, ou as desavenças entre o rio Douro e as suas desgraçadas margens, ou os tremores de terra em Amarante (foi na semana passada) e os que hão-de vir lá mais para sul, ou o deserto a aproximar-se de Santarém e a rir-se daquele lago que está cada vez mais rasteiro (o Alqueva, é isso), ou as chuvas torrenciais por cima de nós num dia de verão nos dizem é que as alterações climáticas já não são previsíveis: já cá estão.

O que os cientistas ainda não conseguiram explicar é como é que aquele indivíduo ainda não escreveu no Twitter qualquer coisa do género: “aquecimento global??? Mas chove cada vez mais!!! Isso é invenção dos chineses!!!!” Ah… já escreveu? Não sabia, desculpem.

Choremos portanto as mortes, até mais ver.