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PGR confirma prisão domiciliária de ex-diretor do BES Madeira

Suspeitas de de corrupção de agentes públicos internacionais, branqueamento, e corrupção ativa e passiva no setor privado recaem sobre ex-responsável do BES na Madeira. Operações realizadas com petrolífera Venezuela na mira da Justiça.
BES Av Liberdade Lisboa
29 Junho 2017, 18h33

O Ministério Público está a intensificar a investigação na ligação do BES à Venezuela. O antigo diretor do Banco Espírito Santo da Madeira, João Alexandre Silva, vai ficar em prisão domiciliária, confirmou ao Jornal Económico fonte oficial da Procuradoria Geral da República (PGR). A medida de coacção foi determinada esta quarta-feira, depois  de novas buscas no âmbito dos processos ao ‘Universo Espírito Santo’, realizadas, no final da semana passada, e no continente e também Madeira.  Estas diligências levaram à constituição de 17 arguidos, entre os quais três empresas.

“Confirma-se a detenção do antigo diretor do Banco Espírito Santo da Madeira”, avança fonte oficial, dando conta que o arguido foi apresentado pelo Ministério Público ao juiz de Instrução Criminal, o qual decidiu pela aplicação das medidas de coação de obrigação de permanência na habitação e a proibição de contactos,  designadamente com outros arguidos no processo.

O ex-diretor do BES da Madeira, segundo a PGR, foi indiciado por factos suscetíveis de integrarem os crimes de corrupção de agentes públicos internacionais, branqueamento, e corrupção ativa e passiva no setor privado.

Na mira da Justiça estão suspeitas dos crimes de infidelidade de gestão, fraude fiscal e branqueamento de capitais no inquérito que investiga as duas cartas de conforto assinadas a 9 de junho  de 2014, por Ricardo Salgado, antes do presidente do banco se ter demitido, à Petróleos de Venezuela (PDVSA)  para garantir liquidez de investimentos realizados pelos clientes venezuelanos em títulos de dívida de empresas do Grupo Espírito Santo (GES). Estas cartas garantia acabaram por ter um impacto negativo em cerca de 300 milhões de euros nos resultados semestrais do BES.

O Jornal Económico revelou, na sua edição de 17 de março, que a Justiça portuguesa está a investigar as cartas de conforto do BES à PDVSA.  No radar do Ministério Público estão suspeitas do crime de infidelidade de gestão por parte do ex-presidente do BES por causar danos patrimoniais ao banco em favor da empresa venezuelana. E ainda suspeitas de branqueamento de capitais que recaem sobre entidades venezuelanas.

Durante o regime do presidente Hugo Chávez, Portugal intensificou as relações comerciais com a Venezuela, levando a petrolífera estatal sul-americana a escolher a sucursal do BES na Madeira para canalizar o dinheiro proveniente da maioria das suas transacções internacionais de crude, chegando a movimentar um fluxo diário de 100 milhões de euros através do banco de Ricardo Salgado.

No final de Abril de 2016, na sequência do escândalo dos «Documentos do Panamá», a Autoridade Tributária (AT) divulgou as estatísticas das transferências para offshores,tendo corrigido no final desse ano os números depois de ter verificado que havia mais 10 mil milhões de euros que tinham escapado ao escrutínio do fisco. Deste montante, cerca de 7,8 mil milhões de euros (80%) partiram do BES, entre 2011 e 2014, com a PDVSA a assumir uma “parcela de peso” nestas transferências ocultas, conforme  o Jornal Económico divulgou a 10 de março. Grande parte do dinheiro correspondia a fundos da companhia petrolífera estatal venezuelana  transferidos pelo BES, através da sua sucursal financeira exterior na Zona Franca da Madeira, tendo como destino o Panamá.

Em causa estão receitas da venda de petróleo e combustíveis da PDVSA na fatia de leão de transferências que partiram do BES e também financiamentos indirectos deste banco às empresas do Grupo Espírito Santo (GES) via Panamá, que foram liquidados e sucessivamente renovados junto do ES Bank Panamá.

Operações investigadas

Na mira da Justiça estão operações, entre outras, realizadas pouco antes da resolução do BES a 3 de agosto de 2014: transferências de contas de valores mobiliários de entidades venezuelanas (e eventuais mais-valias indevidas) e de depósitos de montantes elevados de receitas das exportações de petróleo para offshores que assumem uma parcela significativa das transferências ocultas que partiram do BES, entre 2012 e 2014, que escaparam ao controlo do fisco.

O inquérito está no DCIAP que, no âmbito da investigação ao ‘Universo Espírito Santo’, centra agora as atenções na ligação do BES à Venezuela, nomeadamente às cartas de conforto assinadas, a 9 de junho  de 2014, por Ricardo Salgado, antes do presidente do banco se ter demitido, acabaram por ter um impacto negativo em cerca de 300 milhões de euros nos resultados semestrais do BES. Isto porque,  funcionaram para garantir a liquidez, ou seja, o reembolso do investimento realizado pela PDVSA em títulos de dívida do GES, tendo o seu montante de ser provisionado para assegurar o cumprimento da garantia para o Banco de Desarrollo Economico y Social (Bandes) e o Fondo Desarrollo Nacional (Fonden).

A PDVSA não só tinha elevados depósitos no BES como foi também um importante investidor do GES, tendo Salgado emitido duas garantias para “tranquilizar” os clientes venezuelanos. As duas cartas-conforto estão agora nas mãos do Ministério Público após as buscas à sede de BES, na Avenida da Liberdade, em novembro de 2014. Estas buscas visaram actos de gestão do BES, sendo que um dos  actos na mira dos investigadores incidiu no rasto das obrigações emitidas pelo BES. Objetivo: saber como foi realizada a colocação e quem ficou com as mais-valias, tendo em vista identificar o percurso do dinheiro envolvido na emissão de títulos de dívida do BES.

Cartas de conforto à Venezuela

As cartas-garantia  à PDVSA assinadas pelo BES tinham como objectivo tranquilizar os investidores venezuelanos, numa altura em que havia a intenção de empresas estatais virem a colocar dinheiro no GES, nomeadamente no aumento de capital da Rioforte, onde a PDVSA estava disposta a investir 700 milhões de euros, o que acabou por não acontecer com a queda do BES e do GES. Quando foi ouvido em 2015 na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES/GES, Ricardo Salgado vincou a importância do cliente PDVSA, considerando a empresa Venezuela um cliente “relevantíssimo” que tinha aberta uma conta no BES por onde passava uma parte significativa das receitas da vendas daquela petrolífera.

Em abril de 2014, estas duas entidades venezuelanas quiseram cancelar um investimento de cerca de  330 milhões de euros aplicados em obrigações da  Espírito Santo International (ESI), a empresa que tinha um passivo oculto de 1.300 milhões de euros e que foi declarada insolvente no Luxemburgo após a queda do BES. E foi através destas cartas-conforto que o banco se comprometeu a colocar os títulos em mercado secundário ou assegurar a liquidez necessária de forma a permitir o seu reembolso, aquando de uma emissão de dívida a ser efectuada pela Rioforte em substituição de dívida da ESI.

As cartas de conforto, assinadas também por José Manuel Espírito Santo, foram justificadas por Ricardo Salgado na Comissão Parlamentar de Inquérito  (CPI) à gestão do BES pelo facto de a PDVSA tratar-se de “um cliente relevantíssimo” para o BES, com elevados recursos de múltiplas empresas do seu Grupo depositados no BES, para além de um movimento em trade finance muito rentável para o banco.

Recorde-se que em apenas dois anos, entre dezembro de 2011 e dezembro de 2013, a Venezuela aplicou quase cinco mil milhões de euros em obrigações da ESI. Os investimentos estavam repartidos por uma dezena de entidades venezuelanas entre as quais um banco e um fundo  -o Bandes e o Fonden – a PDVSA, filial da Petróleos da Venezuela, e a PDVSA Services, ligada àquela empresa estatal venezuelana.

Em maio de 2015, surgiram os primeiros sinais do Estado venezuelano em quer recuperar em torno de 300 milhões de euros investidos no GES, após notícias de contactos do Estado venezuelano com o Governo português para haver uma solução deste problema.

A auditoria forense ordenada pelo Banco de Portugal considerou que a assinatura destas cartas-conforto pode configurar uma “potencial prática de actos dolosos de gestão ruinosa”.

As investigações ao universo Espírito Santo contam com sete inquéritos autónomos e 220 apensos a um dos primeiros, num total de 11 arguidos (nove pessoas singulares e duas colectivas), entre os quais Ricardo Salgado. E são oito as suspeitas de tipos de crime: burla qualificada, falsificação de documento, falsidade informática, fraude fiscal, infidelidade, abuso de confiança, branqueamento, corrupção no sector privado e infidelidade.

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