Pedro Santana Lopes fez bem em propor um objetivo estratégico para Portugal: “Temos que ser a nova Finlândia”. É um benchmark desafiante e motivador. Na minha opinião, há outro país que vale a pena observar. É um exemplo de enorme sucesso que faz corar de vergonha países como Portugal, Espanha e muitos outros. Comecemos pela Finlândia. Se tomarmos 1974 como ponto de partida, verifica-se que naquele ano o PIB per capita de Portugal era de 2.000 USD e o da Finlândia já era de 5.300 USD. Em 2016, o PIB de Portugal subiu para 19.800 USD e o da Finlândia para 43.000 USD. A diferença relativa manteve-se.
Antes de revelar qual o outro país-exemplo, aqui vai o aperitivo. Em 1974, o PIB per capita desse país era 562 USD, ou seja, apenas um quarto do de Portugal no mesmo ano. Em 2016 o respetivo PIB per capita crescera para 27.500 USD, ou seja, quase uma vez e meia maior que o de Portugal e ligeiramente superior ao de Espanha, que em 1974 era de 2.740 USD (dados do Banco Mundial e OCDE). A manufatura é o segundo maior setor desse país representando 40% do PIB. Em 42 anos, o feito da Coreia do Sul é notável, em particular quando se recorda que a prosperidade sucedeu imediatamente a duas guerras. Hoje, a Coreia do Sul é a 11ª economia mundial, o quarto maior produtor mundial de eletrónica (111,6 USD milhares de milhões), o maior em semicondutores e displays, e o segundo maior em smarphones.
A Finlândia, que também combateu duas guerras – contra os soviéticos e contra os nazis –, ficou conhecida nas últimas décadas por se ter tornado o maior produtor mundial de telemóveis quando uma empresa fabricante de pneus se apercebeu da oportunidade oferecida pela tecnologia móvel, alterou a estratégia e investiu fortemente na eletrónica de consumo e de redes. A eletrónica é ainda hoje o maior setor industrial finlandês (21,6%).
O digital está na moda em Portugal. Em setembro, houve Digital Business Congress da APDC. Em outubro, Portugal Digital Summit ’17 da ACEPI. Em novembro, Web Summit. Até parece que Portugal é uma potência digital ou de eletrónica. Mas, infelizmente, os dados revelam que não é. Procurei conhecer qual o peso da eletrónica no PIB português. Tarefa difícil.
Consultei o professor Nuno Boavida, investigador do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa. Disse-me que os dados referentes às tecnológicas sofrem de um problema metodológico, pois ninguém sabe em que sector de atividade económica operam. Portugal ficava normalmente a perder nas comparações internacionais. Num trabalho que Boavida realizou há anos, considerou que o sector TIC é tudo o que inclui indústria e serviços, como então aconselhava a OCDE. Mas há casos em que isso não ocorre, como algumas consultoras. Boavida refere que, por exemplo, a Siemens entra numa CAE de indústria (32), mas quase só já faz software (CAE de informática).
Este problema metodológico nunca foi ultrapassado na OCDE, afirma Boavida, que acrescenta: “Sei de algumas empresas portuguesas que alteraram a sua CAE porque não queriam ficar de fora destas estatísticas mais antigas.” O problema da metodologia é ilustrado com o exemplo da Apple, que manufatura o iPhone (Indústria) e/ou vende serviços iCloud ou na Apple Store (Serviços). Em Portugal, a maioria deste tipo de empresas entrava tradicionalmente na CAE da informática (72).
Boavida refere que utilizando a classificação mais recente da OCDE para o setor TIC, relativos ao VAB das TIC e Emprego TIC, verifica-se que o setor TIC em Portugal é composto pelas ISISCs 26, 61, 62, 63 and 58.2 (Lista ISIC Rev.4), que inclui os media. Em 2016, este computo resultava num total de 22.148 empresas, 97% das quais no sector dos serviços, concluiu.
Ou seja, quase tudos serviços, entre os quais certamente muitos de intangíveis, como por exemplo programação. O facto é que em Portugal praticamente não há indústrias tecnológicas. Há setores de serviços de informática e de telecomunicações, mas não há de manufatura. Tanto na Finlândia como na Coreia do Sul há as duas coisas e são dos setores mais importantes.
A maior parte do valor gerado pelas empresas portuguesas de TICs tem origem nos serviços, mas, a confiar nas estatísticas do INE, o seu contributo para a exportações é quase residual. Se tivermos em consideração que o total de exportações do setor dos serviços foi de 26.281 milhões de euros, as TICs exportaram em 2016 apenas 1.294,9 milhões de euros. Atente-se que o total das exportações portuguesas em 2016 – indústria mais serviços – foi de 73.303 milhões de euros, e que a maior parte deste valor foi gerada pela produção de bens.
Ou seja, Portugal é um país industrial produtor de bens, e no setor dos serviços o que faz pender a balança é o turismo com mais de 11 mil milhões de euros em VAB, o equivalente a 7,1% do VAB da economia nacional.
A ignorância sobre o que se produz em Portugal é notória. A maioria dos portugueses não tem nenhuma noção de quais os setores ou subsetores em que Portugal é mais forte. Quando se pergunta “quais são as principais exportações portuguesas”, as respostas referem em geral sapatos, vinho do Porto, cortiça, talvez azeite. Agora também há quem refira o turismo.
Segundo o INE, a indústria produtora de bens exportou em 2016 o valor total de 50,022 mil milhões de euros. O setor que mais exporta é o dos minérios e metais (9,478 mil milhões de euros em 2016). Portugal mineiro é uma ideia que passa pela cabeça de pouca gente, talvez porque seja um setor subterrâneo com pouca exposição mediática, como de resto como o setor químico (6,489 MM) e o setor agroalimentar (6,361 MM), que aparecem em segundo e terceiro lugares.
Todavia, estes setores perdem se somarmos os setores das máquinas (7,720 MM) com o do material de transporte (5,677 MM). Juntos são também conhecidos como setor metalúrgico que é, afinal, o principal setor exportador português (total 13,397 MM). Mas é segredo, quase ninguém sabe. A madeira, cortiça e papel (4,012 MM), as peles, couros e têxteis (5,318 MM) e o vestuário e calçado (1,865 MM) são muito mais conhecidos e não são, afinal, os que mais exportam. Por exemplo, o vinho do Porto representou apenas 140 milhões de euros.
Embora o setor da metalurgia e metalomecânica exporte 45% do que produz, desde panelas de pressão a carros, não é de admirar que este setor industrial, o que mais riqueza traz para Portugal, não seja conhecido: talvez seja o resultado de uma estranha opção pelo esquecimento ou por uma não menos estranha incompetência no que respeita à respetiva comunicação, quiçá resultante de interessantes conflituantes que impedem que fale a uma só voz.
Repare-se no site da Associação dos Industriais Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP). É muito fraco e não tem sequer manutenção e atualização. O último press release divulgado data de 22 de janeiro de 2015 e o último clipping é de 22 fevereiro de 2016. Fica a saber-se por notícias da imprensa que o setor metalúrgico afirma ter exportado 14,6 mil milhões de euros em 2016, um valor superior ao divulgado pelo INE, talvez porque englobe empresas que estão incluídas em outros setores ou talvez porque à semelhança das tecnológicas haja um problema de metodologia.
A indústria metalúrgica e metalomecânica considera-se a si mesma como englobando produtos metálicos, que representam 37% do total do setor, seguidos pelas máquinas e equipamentos com 23%, a metalurgia de base com 20%, o equipamento elétrico com 11% e o material de transporte com 6,3%. As vendas ao exterior tiveram um crescimento de 40% desde o início da década. No total, são 15 mil empresas que dão emprego a 200 mil pessoas, ou seja, são cerca de meio milhão de bocas que delas dependem.
A automação e robotização vai-se acentuando no setor, promovendo a substituição dos atuais postos de trabalho por outros que a AIMMAP diz serem “mais estimulantes e mais atrativos para as novas gerações”, designadamente nas áreas da logística, inovação e investigação, e com mais valor acrescentado. As estimativas são de que, até ao final deste ano, o setor necessite de mais 20 mil os operários mas, segundo a AIMMAP, será difícil encontrar profissionais qualificados porque, afirma, não há uma aposta real na formação profissional em Portugal. Acrescentarei que talvez também porque o próprio setor tenha dificuldade em se promover e atrair competências.
Descobri perdido no site da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel que, para uniformizar a imagem do setor, foi criada em abril de 2015, sob os auspíceos da AICEP, a marca “Metal Portugal” com o slogan “Damos forma ao futuro”. Leitores: não vale a pena googlarem o site Metal Portugal, o tal que pretende definir “a imagem do setor nos quatro cantos do mundo”, porque não existe. Mas, se insistirem nas palavras metal portugal, ficarão a saber que há 11 estimulantes festivais heavy metal em Portugal, informação certamente útil para os muitos fans desse género musical.