O Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública (PREVAP) é um processo histórico em que o Estado, pela primeira vez em décadas, decide reconhecer que existem pessoas a trabalhar com vínculos precários e inadequados na função pública. É também um sinal político importante: a partir de agora a precariedade já não será aceite na sociedade portuguesa, quer no público, quer no privado.

Mas, nas últimas semanas, têm vindo a público denúncias de que o programa de regularização dos precários do Estado está a encontrar vários problemas: há dirigentes de serviços públicos que não estão a cumprir a lei e que estão a dificultar, e nas autarquias o processo está a ser muito pouco transparente. Isto só é possível com a cumplicidade do Governo.

Na passada quarta-feira, numa interpelação ao Governo agendada pelo Bloco de Esquerda, souberam-se novos dados sobre o Programa: foram apresentados 31.957 processos, dos quais 7.844 tiveram já parecer positivo e já há 854 casos em que houve homologação completa e o concurso vai avançar.

Contudo, o Governo teve de assumir que os prazos que estavam estabelecidos inicialmente não serão cumpridos e que a expetativa agora é ter o processo terminado até ao final do ano.

O ministro das Finanças deixou uma nota importante: o número de regularizações “não é um número subordinado a qualquer racional financeiro de caráter condicionante: é o número que vier a ser apurado como correspondendo a necessidades permanentes com vínculo inadequado”.

Ainda assim, o Governo tem de decidir se pretende avançar com o processo exigindo o cumprimento da lei e transparência a todos os agentes públicos, ou se permite que o processo seja boicotado por alguns dirigentes da administração pública.

Exemplo disso é o comunicado vergonhoso do Conselho de Reitores da passada semana, no qual se coloca contra a regularização dos precários do Estado. Para os reitores, o PREVPAP é “um procedimento que não garante o princípio do mérito como critério de entrada na administração pública”, esquecendo-se que estas pessoas já estão a trabalhar para a administração pública há anos, muitas vezes há décadas, e que, portanto, já houve entrada na administração pública há muito tempo, servindo este procedimento apenas para acabar com o vínculo ilegal a que o Estado os tinha obrigado.

Outro exemplo é o que está a acontecer nas autarquias, onde o processo não está a ser transparente. A enorme maioria das autarquias decidiu implementar o programa de regularização sem a constituição de Comissões de Avaliação Bipartida, como existem no Estado central. Assim, em muitos locais, os presidentes da câmara ou de junta são juízes em causa própria, decidindo sozinhos quem tem acesso ao vínculo regular e quem se mantém na precariedade. O Governo podia atuar sem afetar a autonomia das autarquias e no sentido da transparência, divulgando o número de precários identificados por cada autarquia para que o debate público, e com as estruturas representativas dos trabalhadores, pudesse ocorrer.

Relembrem-se casos como o da Câmara Municipal de Sintra em que Basílio Horta, presidente eleito nas listas do PS, declarou que não ia solucionar o problema dos 150 trabalhadores com contratos emprego inserção, contratos a prazo para funções permanentes e falsos recibos verdes.

Mas mesmo no Estado central têm-se ouvido queixas de Comissões de Avaliação Bipartida que não estão a cumprir a lei e é preciso lembrar que o Governo tem assento e voto nessas comissões. Ora, só não é cumprida a lei se o Governo permitir.

Finalmente, o Governo está a escolher não aplicar o mecanismo de proteção contra o despedimento que a lei prevê, permitindo que alguns dirigentes despeçam os precários que deviam estar a contratar com o vínculo adequado.

É um momento de encruzilhada, em que o Governo tem de decidir se pretende ser permeável ao boicote do programa de regularização dos precários do Estado por parte de alguns agentes ou se, pelo contrário, decide normalizar o processo, apresentando um calendário claro e assegurando que o processo é transparente.

Mário Centeno usou a expressão dos movimentos de precários: “ninguém fica para trás”. Resta saber se fará valer a sua palavra.