Quando vamos à padaria ou ao supermercado e compramos os ‘nossos’ pães de Mafra, broa de Avintes ou pão alentejano estamos longe de saber que mais de 90% do pão que se come em Portugal é importado. Com efeito, a farinha que fabricamos em Portugal para produzir pão, com base em trigo mole, dá apenas para responder a 5% das necessidades de consumo interno.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), no ano passado importámos quase 1,3 milhões de toneladas de cereais, equivalentes a 264 milhões de euros, tendo exportado apenas 17 mil toneladas, grande parte devido ao arroz, o que equivaleu a cerca de 3,4 milhões de euros. Além disso, o grau de autoaprovisionamento de cereais em Portugal é de 26,8%, sendo o trigo e a cevada aqueles cereais que mais contribuem para a dependência nacional dos mercados externos.
Com o objetivo de desenvolver o potencial de utilização de trigos moles nacionais, transformados em farinhas pelos industriais, para a recuperação de variedades e para a criação de um pão 100% português, a Associação de Produtores de Oleaginosas e Cereais (ANPOC), através do Clube Português dos Cereais de Qualidade (CPCQ), associou-se ao Clube de Produtores Continente, para trabalhar neste projeto de fileira inovador em Portugal.
“Este projeto pode ser o início de uma tentativa para inverter esta situação de dependência. Desde o início da adesão de Portugal ao Mercado Comum que os produtores de cereais andam a alertar sucessivamente os diversos Governos para esta situação de grave deficiência de produção. Agora, estamos mesmo a bater no fundo, com áreas cada vez mais pequenas de produção”, defende Fernando Carpinteiro Albino, presidente do CPCQ, em declarações ao Jornal Económico.
Na opinião deste responsável, “este projeto pretende espevitar a produção nacional e garantir um preço um pouco melhor”. Carpinteiro Albino explica que os trigos moles são ‘commoditties’, sendo o mercado que manda nos seus preços, deixando pouca margem de influência aos produtores.
“Se não caminharmos para soluções deste tipo, de produto diferenciado, não temos futuro. Os nossos cereais podem fazer um pão muito bom. Este pão está a ser objeto de um processo de certificação que permite ao consumidor verificar a sua rastreabilidade, sendo apresentado como um pão português com cereais do Alentejo”, adianta o presidente do CPCQ.
Para o arranque deste projeto do pão 100% português, contribuiu a Cooperativa de Beja e Brinches, que enviou uma amostra de trigo para a empresa Gérmen Moagem de Cereais, que a transformou em farinha. Com esta farinha, fizeram-se vários ensaios no produtor membro do CPCQ Panificadora Marques Filipes, até se chegar ao tal pão com matéria-prima 100% nacional, que está à venda nas lojas da cadeia Continente desde 6 de dezembro, em pacotes de 500 gramas. Na vertente de investigação, associaram-se o INIAV – Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária e Estação Nacional de Melhoramento de Plantas de Elvas.
Estes pães “estão à venda na globalidade das lojas Continente e estão a ter muito boa aceitação. O feed-back que estamos a ter é muito positivo e indica-nos que tem havido uma procura muito positiva em muitas lojas do Continente”, revela Fernando Carpinteiro Albino.
O balanço está a ser tão positivo “que já temos uma reunião agendada para as primeiras semanas de janeiro de 2017 para, ainda durante esta campanha [a colheita dos cereais ocorre em julho, agosto de cada ano] aumentar a oferta, recorrendo a trigo ainda disponível em stock”. Segundo Fernando Carpinteiro Albino, as organizações sócias do CPCQ devem ter ainda disponíveis entre 300 e 400 mil toneladas de trigo para produzir pão 100% português.
“É um número significativo, que poderia dar uma alegria ao projeto, que podia manter a continuidade do projeto a partir de janeiro. A nossa intenção é que esta iniciativa se transforme numa realidade consistente em 2017. Acho que é com este tipo de projetos que vamos para a frente”, assume Fernando Carpinteiro Albino.
A apresentação da iniciativa contou com a presença do ministro da Agricultura, uma espécie de aval político. Para o futuro, Fernando Carpinteiro Albino sublinha que a PAC – Política Agrícola Comum é passível de revisões, sendo que a que deverá entrar em vigor em 2020 vai começar a ser negociada a partir do início de 2017. “É preciso sensibilizar o poder político para a necessidade imperiosa, na medida do possível, de dar a alguns produtos a possibilidade de crescer a produção. É indispensável que se acorde para esta necessidade, desde que os produtores tenham rendimentos e lucros”, alerta.
Para o presidente do CPCQ, foi positivo ter-se feito este acordo “com uma cadeia de distribuição importante, o Continente, da rede Sonae, que decidiu alargar a sua gama de produtos ao pão”.
O caso das farinhas para produção de pão é idêntico ao das massas alimentícias, que se baseia na transformação de trigo duro para produzir sêmola: só 4% do consumo é assegurado pela produção interna. Os membros do CPCQ já manifestaram interesse em replicar este projeto na produção de massas alimentícias em Portugal. Se estes projetos tiverem êxito, Portugal irá reduzir de forma drásticas importações anuais de várias centenas de milhões de euros de países como o Canadá, França e Alemanha.
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