[weglot_switcher]

Quadro da Navigator nomeado presidente da Estrutura de Missão para a instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais

Tiago Martins Oliveira transita diretamente da empresa The Navigator Company (indústria de papel e celulose) para um cargo equiparado a secretário de Estado. Foi nomeado pelo primeiro-ministro António Costa e toma posse esta manhã. “Com gestão ou sem gestão, com montado de sobro ou carvalhal, com eucalipto, pinho ou áreas protegidas, tudo arde,” escreveu recentemente.
24 Outubro 2017, 07h00

O engenheiro florestal Tiago Martins Oliveira, quadro da empresa The Navigator Company, foi nomeado pelo primeiro-ministro António Costa para o cargo de presidente da Estrutura de Missão para a instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, criada na sequência do Conselho de Ministros extraordinário de 21 de outubro. A cerimónia da tomada de posse decorrerá esta manhã, na residência oficial do primeiro-ministro. Oliveira vai cessar as funções de diretor do departamento de Inovação e Desenvolvimento Florestal da empresa The Navigator Company (indústria de papel e celulose) e assumir um cargo “equiparado, para todos os efeitos, a secretário de Estado,” de acordo com o comunicado do Conselho de Ministros.

A criação da referida Estrutura de Missão foi uma das medidas decididas pelo Governo na reunião de sábado. Ficará na dependência direta do primeiro-ministro, com o objetivo de “apoiar o Governo na preparação e execução das recomendações do relatório da Comissão Técnica Independente [para a análise e apuramento dos factos relativos aos incêndios que ocorreram em Pedrógão Grande e outras localidades, entre os dias 17 e 23 de junho de 2017], cabendo-lhe ainda promover a instalação da Agência para a Gestão Integrada de Fogos (AGIF).” Por sua vez, a AGIF deverá entrar em funcionamento no dia 1 de janeiro de 2019 e “terá competências no âmbito da integração de políticas, avaliação, planeamento e controlo, bem como no âmbito da gestão do conhecimento, da estratégia e supervisão de operações.”

Ao longo dos últimos 20 anos, Oliveira desempenhou vários cargos diretivos no Grupo Portucel Soporcel que entretanto foi rebatizado como The Navigator Company.  Pelo meio – e sem qualquer período de nojo – exerceu as funções de adjunto do secretário de Estado das Florestas (João Manuel Soares) do Governo liderado por Durão Barroso (entre 2003 e 2004) e adjunto do ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas (Jaime Silva) do Governo liderado por José Sócrates (entre 2005 e 2006). No interregno das funções no perímetro governamental, Oliveira foi coordenador executivo da proposta técnica do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios (PNDFCI) para o Instituto Superior de Agronomia, encomendado em 2004 pelo Governo de Pedro Santana Lopes. O PNDFCI seria entregue ao Governo de Sócrates, no qual António Costa era ministro da Administração Interna, mas acabou por não ser aplicado.

 

“As melhores soluções de ordenamento para a mitigação dos incêndios florestais passam pela diversificação da floresta e a utilização de espécies que conduzam a formações menos combustíveis, nomeadamente das folhosas de folha caduca, como os carvalhos, castanheiros ou outras folhosas, por terem um grande teor de humidade,” sublinha a Comissão Técnica Independente.

 

Por ironia do destino, o PNDFCI já sugeria em 2005 algumas das propostas reiteradas em 2017 pela Comissão Técnica Independente formada na sequência da tragédia de Pedrógão Grande. Nomeadamente a mudança de paradigma ao nível da gestão dos incêndios florestais, investindo mais em prevenção (a montante) do que no combate (a jusante) e integrando essas duas dimensões numa única entidade. Oliveira terá assim um papel fundamental na concretização dessas medidas. Em vários artigos publicados e entrevistas concedidas nos últimos meses, o quadro da Navigator Company defendeu precisamente essa mudança de paradigma, mas também desvalorizou a importância dos eucaliptos na ignição e propagação de incêndios florestais.

“Com gestão ou sem gestão, com montado de sobro ou carvalhal, com eucalipto, pinho ou áreas protegidas, tudo arde,” garantiu, num artigo publicado na revista “Ingenium” (da Ordem dos Engenheiros), edição de julho/agosto de 2017. “A opinião pública, largamente não esclarecida, é levada a acreditar, erradamente, que um problema complexo se resolve com soluções simples, isto é, se houver menos ignições, se houver melhor deteção e mais meios aéreos e, ultimamente, se houver menos eucaliptos!” Ou seja, para Oliveira é indiferente se há mais ou menos eucaliptos, na medida em que “tudo arde”.

 

“Espaços florestais contínuos e, no caso em análise, ocupados predominantemente por monoculturas de eucalipto e pinheiro bravo não sujeitas a gestão adequada face ao risco de incêndio que representam, geram incêndios grandes e severos,” alerta a Comissão Técnica Independente.

 

Porém, no relatório da Comissão Técnica Independente – que deverá nortear o desempenho das funções para as quais Oliveira acaba de ser nomeado – encontram-se várias referências ao eucalipto como uma espécie de árvore particularmente inflamável. Mais, uma espécie de árvore que, ao arder, faz projeções a grandes distâncias, propagando os incêndios em curso. “Povoamentos puros ou mistos de pinheiro bravo ou eucalipto sem redução efetiva da carga de matos no seu interior conduzem, em situações de secura, a incêndios de grande intensidade com elevada possibilidade de projeções de focos secundários a grandes distâncias,” lê-se no relatório. “As melhores soluções de ordenamento para a mitigação dos incêndios florestais passam pela diversificação da floresta e a utilização de espécies que conduzam a formações menos combustíveis, nomeadamente das folhosas de folha caduca, como os carvalhos, castanheiros ou outras folhosas, por terem um grande teor de humidade,” sublinha a Comissão Técnica Independente.

 

O “lobby” do eucalipto

A Navigator é uma das principais empresas portuguesas da fileira do eucalipto (a par da Altri, cujo presidente executivo detém o grupo de comunicação social Cofina). No dia 27 de julho, essa empresa (na qual Oliveira trabalhou durante quase duas décadas) comunicou que “em termos de impacto dos incêndios florestais ocorridos em junho nos concelhos de Pedrógão Grande, Góis e Sertã, as estimativas apontam para uma dimensão da área ardida de cerca de 50 mil hectares, situando-se em cerca de 800 hectares a área ardida da Navigator.” Contudo, também salientou que “vários fornecedores nacionais foram afectados,” tornando então “difícil estimar o possível impacto destes incêndios em anos futuros.”

Por outro lado, a Navigator manifestou na altura “muita preocupação” relativamente à “nova proposta legislativa aprovada no dia 19 de julho de 2017” no Parlamento, que “proíbe novas áreas plantadas de eucalipto e introduz mecanismos que condicionam negativamente a replantação desta espécie.” Na perspetiva da Navigator, a implementação dessa legislação “irá resultar, como é óbvio, no agravamento do já muito oneroso peso das importações de matérias-primas para a indústria de pasta e papel.” Mais, os gestores da Navigator consideram que são “medidas discriminatórias” e que “não têm qualquer justificação científica, económica ou ambiental.”

 

 

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.