O frágil equilíbrio das relações de trabalho em Portugal foi quebrado com estrondo pela Troika entre 2011 e 2014. Num ápice, os aspectos menos salutares do código do trabalho foram realçados e novas disposições introduzidas, rompendo os equilíbrios e os consensos existentes, e reduzindo de forma dramática a relevância e o peso do Trabalho na distribuição de rendimentos, em favor de juros, dividendos, rendas, royalties, entre outras formas de remunerar o Capital.
Este desequilíbrio materializou-se, por exemplo, ao introduzir a caducidade das convenções colectivas e ao diminuir as indemnizações por despedimento, mas também ao ignorar o que todas as recessões têm mostrado em Portugal: o nível de emprego ajusta em baixa independentemente da legislação laboral. Este desequilíbrio materializou-se igualmente ao ignorar que os trabalhadores ‘maduros’ e a debilidade das empresas, mormente em termos de gestão, implicam que Portugal tenha um elevado desemprego estrutural entre as pessoas com mais de 45 anos.
Partindo da premissa, errada, de que a legislação laboral portuguesa era inflexível, causadora de desemprego e desincentivadora de investimento, a Troika não encontrou no governo desse período uma disposição compenetrada, nem o suporte teórico, que lhe permitisse repelir um par de ideias perniciosas sobre uma alegada rigidez das leis laborais.
Na verdade, os custos de trabalho representam uma parte pequena dos custos empresariais e, regra geral, a alteração das leis laborais não consta entre as preocupações cimeiras dos empresários ou gestores criadores de emprego e riqueza. O que preocupa os empresários é a estabilidade do quadro fiscal, que de preferência deve ter um horizonte de uma década, e os custos de contexto, nomeadamente a energia, bem como a disponibilidade de trabalhadores qualificados, ou de infra-estruturas de transportes.
Dito isto, é justo realçar que, na fase política actual, as tímidas alterações propostas e aceites em sede de Concertação Social (CES) vão no sentido certo, ao incentivarem a contratação e ao penalizarem a precariedade.
O CES que, já agora impõe-se esta nota, precisa de se renovar, uma vez que na sua actual composição não engloba os sindicatos independentes nem algumas das franjas mais dinâmicas das empresas portuguesas. Em grande medida, o CES reproduz ainda as instituições e os protagonistas herdeiros da tutela do Conselho da Revolução do MFA, o que talvez explique alguns factos em termos laborais.
Mas regressando aos desequilíbrios entre Trabalho e Capital, os trabalhadores deveriam ter um mínimo de 50% a 60% do rendimento nacional e não um valor que se aproxima perigosamente dos 40%. É isto que devemos aos nossos filhos e aos nossos pais: um modelo social inclusivo, justo, e que premeie o mérito e a iniciativa.
De uma coisa estou certo: facilitar os despedimentos e reduzir as indemnizações é um caminho seguro para o empobrecimento da classe média, para a emergência de fenómenos populistas e de figuras providenciais. Um ambiente social favorável a tais fenómenos não é certamente o que queremos legar às gerações vindouras.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.