Há dias num café um jovem gabava-se aos amigos de ter “o melhor emprego do mundo”: “sou guia turístico e não tenho de descontar nada! O pior é no Inverno, que tenho menos que fazer”. Uma senhora nascida e criada no Martim Moniz, que viu na mesma rua a separação do marido e a vida levar-lhe o único filho, arrumou há dois meses os seus pertences para, aos 72 anos, se mudar para a Amadora, onde não conhece ninguém, porque o senhorio a expulsou das águas furtadas onde sempre viveu através da lei das rendas. “É um gatuno!”, disse irritada, enquanto me explicava que o apartamento ia agora para o Airbnb.

Estas histórias de insucesso contam muito do que é o sucesso do turismo em Portugal. Aliás, a história de sucesso escreve-se na criação de riqueza, expressa nos 2,9% de crescimento do PIB, impulsionados pelo consumo interno e pelas exportações, leia-se turismo.

O turismo só poderá ser uma história de sucesso se prepararmos as cidades para receber os visitantes e distribuirmos a riqueza criada com trabalho decente.

Vamos à primeira questão, preparar as cidades. Apesar de tantos se porem de bicos dos pés para reivindicar o sucesso do turismo, é claro que o boom que Portugal está a viver é aquilo que a que os economistas chamam uma externalidade positiva. É óbvio que ninguém esperava ou preparou a instabilidade política no Norte de África ou os ataques terroristas em destinos tradicionais de turismo na Europa, mas Portugal está a beneficiar dos problemas de outros países.

No entanto, muitos governantes, também a nível local, têm uma visão reativa ao turismo: não tendo feito nada para a sua captação, também não decidem preparar as cidades para o afluxo de visitantes. O corolário acabado desta visão é a frase do presidente da Câmara de Lisboa: “não sei o que é ter turismo a mais”. O problema é que os preços para arrendamento ou compra de casa em Lisboa ou no Porto explodiram e os transportes públicos estão a ficar saturados. Esse mau serviço às cidades e aos seus habitantes pode causar turismofobia, como já vemos noutras cidades como Barcelona ou Veneza.

Precisamos de regras claras para proteger quem habita e quem quer visitar. Aliás, a aposta na preparação das cidades é benéfica para todos, visto que a melhoria dos transportes, dos espaços verdes, da limpeza urbana e dos equipamentos favorece quem lá vive e reforça as condições para quem visita.

Sobre a segunda questão, o trabalho no turismo, já sabemos que aumentou, mas também sabemos que é precário, mal pago, com muitas horas e, por vezes, pago por baixo da mesa. O INE indica que foram criados em 2017 cerca de 52 mil empregos neste setor, mas de acordo com dados do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, cerca de 40% dos trabalhadores do alojamento e restauração recebem o salário mínimo, quase o dobro da média de todas as atividades económicas. O rendimento médio líquido deste setor de atividade não ultrapassa os 614 euros líquidos mensais. A precariedade é a regra e até o presidente da Associação de Hotelaria de Portugal veio defender numa entrevista recente que a alta rotatividade a que os trabalhadores do turismo estão sujeitos “não é um drama”.

Alguns dirão que o importante é crescer primeiro e distribuir melhores salários e condições de trabalho depois, mas os economistas que estudam as desigualdades já têm alertado que se as condições para uma distribuição mais equitativa da riqueza não estão presentes cedo na equação raramente a balança equilibra. Por isso, o debate sobre turismo e emprego é para ser tido com urgência.

Há ainda uma terceira questão que cruza as duas anteriores: o turismo pode afastar outras atividades económicas. Em Portugal temos o exemplo do Algarve, onde o turismo é quase uma monocultura e, por isso, quem vive no Algarve sabe bem dos problemas de falta de ordenamento do território, dos salários baixos, da precariedade alta e da enorme sensibilidade que o turismo tem aos ciclos da economia internacional.

Infelizmente, alertar para a necessidade de tornar o turismo sustentável é mal visto pela indústria hoteleira, pelo Governo e mesmo pelos presidentes de câmara. A urgente alteração da lei das rendas de Assunção Cristas, a criação de regras para o Alojamento Local, o lançamento de programas de habitação municipal a preços acessíveis para combater a escalada dos custos do arrendamento e da compra de casa ou, no campo do trabalho, a ação preventiva da Autoridade para as Condições do Trabalho e o fomento da negociação coletiva para melhorar o emprego de quem trabalha no turismo parecem propostas fora de causa.

O boom do turismo em Portugal é uma externalidade positiva que tem de chegar a todos. Dividir a riqueza criada não é possível sem regras, sem a ação preventiva e não reativa do Estado central e das autarquias locais. Sem regras, sem trabalho com direitos, o turismo será apenas uma externalidade negativa para a maioria da população. Para o turismo ser sustentável é necessário acabar com o “laisser-faire”.