Na passada semana, o Estado português emitiu títulos de dívida pública – ou seja, pediu dinheiro emprestado – por um prazo de seis e doze meses a juros negativos. O ministro das Finanças, Mário Centeno, apressou-se logo, como seria de esperar, a regozijar-se com o feito, que segundo ele fazia parte de “um conjunto de boas notícias” sobre a economia do país. “A taxa de juro a que Portugal hoje colocou dívida”, declarou o ministro, “foi ainda mais negativa do que a taxa que já era negativa nas últimas colocações”, um facto indesmentível e uma daquelas situações em que, como num exame médico, algo “negativo” é suposto ser bom.

Mas o que Centeno se escusou a dizer foi que os títulos de dívida pública – ou seja, os empréstimos que o Estado português contrai para ter o dinheiro que não tem para pagar as despesas com que se comprometeu – com maturidades a longo prazo continuam a ser negociados com juros a rondar os 4%, bem mais elevados que a maioria dos nossos parceiros da moeda única. Acima de tudo, não explicou por que razão essa disparidade existe, nem muito menos o que essa razão indica acerca do futuro que nos espera. Resta saber se o não fez por, coitado, não a perceber, ou se por o espírito de negação da realidade que se apodera de qualquer membro de qualquer governo o ter já obnubilado por completo, ou se por pura e simples desonestidade.

À primeira vista, não parece fazer muito sentido que um país como Portugal, em que a dívida pública cresce todos os anos e que só através de truques de contabilidade e incumprimento das suas obrigações (para com as escolas, hospitais, fornecedores, prestadores de serviços, etc.) consegue manter o valor do défice orçamental abaixo daquilo que “Bruxelas” exige, consiga pedir dinheiro emprestado a taxas de juro negativas.

Tudo fica mais claro quando se olha para o papel do Banco Central Europeu e a sua “política de compra de activos”: para manter à tona de água países com problemas orçamentais como Portugal (ou a Itália, ou a França, ou a Grécia), o BCE adquire títulos de dívida pública (e injecta dinheiro para economia), aumentando de forma artificial a procura de tais produtos, tornando-os de forma igualmente artificial menos onerosos para quem tem de pagar os juros pelos empréstimos que eles representam.

Por outras palavras, o BCE está a criar de forma deliberada uma bolha no mercado dos títulos de dívida pública, e é isso que explica não só os juros inacreditavelmente baixos que Portugal paga pelos empréstimos com maturidades mais curtas, como os juros bem mais elevados dos empréstimos com maturidades mais longas. Pois ao mesmo tempo que a existência da bolha faz com que países que de outra forma ficariam sem acesso a esses mercados, como Portugal, neles permanecem e os ajudem a manter-se “animados”, a consciência de que a bolha existe e a expectativa de que mais tarde ou mais cedo ela terá de rebentar fazem com que só com juros relativamente elevados alguém esteja disposto a correr o risco de nos emprestar dinheiro que só teríamos de pagar daqui a 7 ou a 10 anos, altura em que talvez não estejamos em condições de o fazer.

Não sei se ainda é assim, mas quando era mais miúdo, sempre que jogávamos às “escondidas” ou à “apanhada” e alguém queria interromper a coisa – geralmente para se escapar de uma situação complicada – gritava “rebenta a bolha”. Infelizmente, no mundo adulto, não se pode fazer o mesmo: aí, o “rebentar” da “bolha” não significa um descanso das atribulações; pelo contrário, significa o fim das ilusões e o despertar para uma dura realidade. Algo que, mais tarde ou mais cedo, o ministro Centeno irá descobrir. O pior é que o resto do país também sofrerá as consequências. E não nos vai custar pouco, certamente.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.