Há pouco mais de uma semana, os líderes dos partidos socialistas dos países europeus visitaram Portugal, com o propósito expresso de participarem no “Conselho” do PS Europeu, e o real de terem umas mini-férias no destino turístico da moda que é Lisboa. Em troca da oportunidade, tiveram de fazer o pequeno sacrifício de falar com a comunicação social portuguesa e tecer loas a António Costa e ao seu Governo, para que este pudesse fazer um pouco de propaganda.
A RTP, por exemplo, falou com Pedro Sánchez, o espectro cheio de telegenia mas vazio de substância que lidera os socialistas espanhóis, que acha o Governo português “positivo” e “gerador de esperança”. E o Pravda (conhecido pelos amigos como Diário de Notícias) até conseguiu exumar o desaparecido Alexis Tsipras, que lá acabou por dizer que “o Governo português é o modelo para a Grécia quando sair do memorando”.
Alguns dias antes, na sua coluna no Correio da Manhã, Luciano Amaral fez uma descrição do carácter e natureza do Governo de Costa bem mais realista do que as palavras dos turistas famosos que se reuniram no Pavilhão Carlos Lopes. Para o Luciano, o caso da deslocação do Infarmed para o Porto “é revelador do modo de operação geral de António Costa”: dar ao “interlocutor imediato” algo “que o satisfaça, seja ou não possível de concretizar”, e “depois logo se vê”.
Essa oferta, por sua vez, cria “uma série de problemas acessórios”, tornando “necessário voltar a aplicar ‘capacidade negocial’ e ‘pragmatismo’ à sua resolução”, num ciclo vicioso que gera “uma cornucópia de compromissos contraditórios sem qualquer princípio geral.”
Muitos críticos do Governo de Costa caíram no infeliz hábito de repetir incessantemente que este mais não é do que um regresso ao tempo de José Sócrates, o ex-primeiro-ministro acusado de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Na realidade, e como o retrato do Luciano sugere, o “costismo” é essencialmente um “guterrismo” a quem foi amputada uma perna.
Ao ser o mais votado em 1995 e 1999, mas sem conseguir obter uma maioria parlamentar, Guterres viu-se obrigado a procurar apoio onde quer que fosse possível obtê-lo. Em matérias “europeias”, encontrava-o no PSD da actual Evita de Belém. No resto, ora se encostava ao CDS, sempre disponível para vender-se barato (há coisas que nunca mudam), ora ao PCP, hábil defensor dos grupos de interesse sindicais que sustenta. Pelo meio, ainda havia que agradar às clientelas do próprio PS.
Ao escolher ficar exclusiva e permanentemente apoiado na bengala comunista-bloquista, Costa tornou o seu Governo ainda mais frágil e refém de interesses instalados do que o de Guterres já fora. O resultado da necessidade deste último de comprar a boa vontade de todos não foi só a sua fama de “indeciso”, mas também os 70 mil novos funcionários públicos que se juntaram à mesa do orçamento entre 1996 e 2000, o aumento da despesa pública, e o défice de 4,3% que deixou a quem veio depois. Mas, ao menos, podia dar-se ao luxo de ser “indeciso”, porque podia escolher o que e a quem ceder.
Já Costa sabe que tem de dar o que quer que os únicos que o podem sustentar dele pretenderem, sob pena de perder o poder, a única coisa que o seu “pragmatismo” não pode aceitar. O resultado da “capacidade negocial” de Costa será o fortalecimento dos sindicatos do PCP, o agravamento dos problemas estruturais do país, a continuação da degradação dos serviços públicos e uma desconfiança da população em relação aos políticos ainda maior que a que já hoje se faz sentir. Pior que o “guterrismo”, talvez só mesmo um “guterrismo” perneta.
É claro que este poderá ser suficiente para Costa renovar a sua estadia em São Bento em 2019, talvez até para obter uma maioria absoluta na Assembleia, se o que os eleitores desejam é um Governo que se limite a fazê-los sentir que as coisas já não estão tão complicadas como estavam há uns anos atrás, mesmo que nada tenha realmente mudado. Mas isso não será suficiente para evitar que, mais tarde ou mais cedo, as coisas se compliquem ainda mais, e deixe de ser possível fingir que não.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.