Uma moeda estritamente digital, sem pátria nem fronteiras, sem banco central, criada por um programador misterioso, suportada por quem a quiser suportar, com base numa tecnologia inovadora e com muito potencial disruptivo. É o que é a bitcoin. E que mais era preciso para atrair os apaixonados, os especuladores e, infelizmente, os criminosos?
O valor de uma bitcoin tem subido vertiginosamente este ano e atraído ainda mais atenção. Atualmente, uma bitcoin vale mais de 1.800 dólares, acima do valor de uma onça de ouro, que, curiosamente, é o principal concorrente no campeonato das moedas alternativas. O ouro começou a ser usado como reserva de valor, há centenas de anos, maioritariamente por três razões: primeiro, porque dificilmente se estraga (valor sólido, literalmente); segundo, porque não era fácil encontrar ouro noutros tempos (oferta limitada); terceiro, porque brilha (paixão).
Esta terceira razão parece humorística, mas na verdade não é, e até é possível que seja a mais importante. Hoje em dia, o ouro tem bastante utilidade industrial, nomeadamente para produtos tecnológicos, mas há 500 anos isso não era verdade. O ouro era unicamente usado para joalharia e fins decorativos. A paixão estética foi, numa fase inicial, o que determinou o valor do ouro. No caso da bitcoin, a paixão também é um dos fatores que dá valor à moeda, mas esta de caráter ideológico.
Parte dos que compram bitcoin fazem-no por falta de crença no sistema monetário moderno, nos bancos e nos Estados. Atrai-os a ideia de uma moeda sem controlo centralizado, regulada pela sua própria estrutura tecnológica, com baixos custos de transacção e oferta limitada, “livre das garras do poder instalado”. Mas não sejamos descrentes.
Já houve tempos em que não existiam bancos centrais, outros em que o valor da moeda era fixado em relação ao ouro e outros em que a regulação era praticamente inexistente. Se a sociedade caminhou no sentido do sistema atual, é porque realmente ele tem alguma lógica. O sistema que temos vindo a construir como sociedade global certamente não é perfeito e, provavelmente, nunca o vai ser. Mas este é o produto de centenas de anos de desenvolvimento e melhorias periódicas, de várias crises ultrapassadas e de outras tantas que não o chegaram a ser, precisamente pela forma como o sistema monetário global está estruturado. Não é fácil de ver isto, por isso é que é preciso um pouco de fé.
Além disto, outra das razões pelas quais o valor da bitcoin tem subido é a atratividade para ser usada em transacções ilícitas. A bitcoin não tem fronteiras, não tem regulador e, acima de tudo, não deixa rasto. Uma bonança para os criminosos. Quem compra bitcoin numa bolsa para o efeito, pode estar a comprá-la a um criminoso.
A tecnologia por trás da bitcoin (a blockchain) parece realmente ter potencial disruptivo. Os sistemas centralizados de processamento de transações vão provavelmente ter de ser repensados e reconstruídos com base na blockchain, mas isso não altera necessariamente a natureza da bitcoin. O seu valor depende somente da paixão de uns e do uso ilícito que outros lhe dão.
O valor da bitcoin pode perfeitamente continuar a subir, mas mais tarde ou mais cedo, o mais provável é que a bitcoin seja reconhecida pelo que realmente é: uma experiência interessante que deu azo a uma tecnologia disruptiva, mas com pouco valor real.