O País parou recentemente em antecipação da notação de risco da dívida soberana portuguesa por parte da Agência de Notação de Risco DBRS, dividindo-se o espaço público mediático entre os que esperavam a confirmação da proximidade geográfica do “Diabo” e os que esperavam brandir a manutenção da notação como um sinal de que tudo está bem.

John Kenneth Galbraith cunhou o termo “conventional wisdom” e argumentou que associávamos verdade com conveniência, aderindo às ideias que melhor se ajustam à forma como compreendemos qualquer assunto.

Será conveniente continuar a depositar o destino da evolução da dívida soberana e, portanto, da sobrevivência económica de países soberanos, nas mãos de entidades privadas cujo grau de escrutínio, regulação e suscetibilidade de responsabilização assume uma grande desproporção face ao papel que assumem na arquitetura do sistema jurídico-financeiro?

A facilidade de compreensão e disseminação de informação produzida pelas Agências de Notação de Risco através de um código alfabético simples levou a que as notações de risco fossem progressivamente eleitas para servir de parâmetro em relações contratuais privadas, mas também na esfera pública.

Esta transferência progressiva de poderes de regulação e supervisão de poderes regulatórios da esfera pública para a esfera de empresas privadas, comporta riscos para a estabilidade do próprio sistema financeiro, tornando-o refém de modelos de avaliação que vimos já serem defeituosos, tendencialmente pró-cíclicos e de duvidosa neutralidade política.

Não obstante os conflitos de interesses inerentes ao seu modelo de financiamento, o mercado oligopolista em que se movimentam e as falhas de previsão em várias crises recentes, o Banco Central Europeu (BCE) continua a depender de notações de risco externas para intervir no mercado da dívida soberana.

É conveniente para o BCE projetar a ideia de que esta é a via necessária para assegurar a sua independência face aos países europeus destinatários das suas decisões. Todavia, a verdadeira independência só chegará com a coragem do BCE em assumir que esta missão não pode ser confiada a Agências de notação privadas, por muito conveniente que se mostre para isolar críticas de certos setores – Paul de Grauwe explana esta ideia na perfeição num artigo recente[1].

Talvez seja altura de distinguir a verdade da conveniência, de concluir que o parâmetro reputacional das Agências não é garante de independência, e de reformar um setor de atividade que teima em evidenciar um desencontro entre as funções que lhe foram acometidas pelos legisladores e as expectativas nele depositadas pelos agentes do mercado, com efeitos nefastos para todos.

É altura de Mario Draghi dar novo sentido às suas célebres três palavras: “Whatever it takes”.

 

[1] “O poder excessivo das agências de rating”, artigo publicado no Jornal Expresso Economia de 22 de Outubro de 2016