Depois de vários dias a abrir com os incêndios que atormentam o país, o telejornal da RTP de dia 14 abriu com uma notícia mais alegre: a de que no segundo trimestre de 2017 a economia portuguesa “voltou a crescer 2,8%, tal como no arranque deste ano”, um resultado de “crescimento homólogo só conseguido há dez anos”. Que algum crescimento da economia tenha tido lugar é obviamente positivo, e ninguém de bom senso o negará. Mas, no meio da boa notícia, há algo que deveria fazer os portugueses temer pelo que os espera: essa referência ao crescimento que se verificou há dez anos.

A razão é simples: há dez anos, estávamos à beira de ver o crescimento que tínhamos ser transformado na bancarrota em que quase caímos e na austeridade em que ainda vivemos; enquanto celebrávamos o crescimento, a crise do subprime americano preparava-se para se transformar numa crise financeira universal e, ao contrário do que nos era dito na altura, a nossa economia estava particularmente mal equipada para a enfrentar.

Esse tem sido o problema crónico de Portugal, pelo menos desde 1851. Enquanto “lá fora” a economia for prosperando – ou, no mínimo, se for aguentando – e houver dinheiro para gastar cá – seja em investimentos realizados por empresas estrangeiras, seja o trazido e deixado pelos turistas que cá vêm de férias, seja o que “os mercados” emprestam ao nosso Estado para os partidos que o vão ocupando o distribuírem pelas suas vastas e esfomeadas clientelas.

O país lá vai vivendo na sua plácida indiferença aos problemas sérios de que não deixa de sofrer; a economia vai crescendo – mesmo que, como agora acontece, menos que os seus vizinhos e parceiros europeus – e as pessoas – ou pelo menos algumas delas – vão tendo na carteira o suficiente para não sentirem na pele o efeito dos defeitos estruturais de Portugal, que no entanto lá estão, prontos a fazer das suas mal as coisas descambem.

Esse é, no entanto, um destino que inevitavelmente chega quando “lá fora” a conjuntura se torna desfavorável, e o dinheiro deixa de pingar “cá dentro”: o Estado deixa de ter quem lhe empreste o que precisa para suprir a diferença entre o que as clientelas esperam receber dele e o que se consegue extrair de quem paga impostos; os governantes têm de escolher entre aumentar os impostos, cortar nas despesas, ou uma combinação das duas, sempre com a certeza de que irá provocar a ira de alguém.

Mais. A fragilidade de uma economia manca e atrasada fica exposta a partir do momento em que a despesa pública deixa de conseguir mascarar a falta de capital disponível; o crescimento tão celebrado na véspera desaparece, e a terem de dar uma boa parte do seu cada vez mais escasso rendimento a um Estado que, para que os partidos que o governam tenham votos, precisa de distribuir os proveitos da colecta fiscal por quem os consegue comprar, as pessoas passam a sentir na pele o quão pobre é o país que a propaganda e a ilusão foram conseguindo esconder.

Foi assim no século XIX, quando as décadas de “melhoramentos materiais” foram interrompidas pela falta de crédito do Estado português, como foi assim com Cavaco, que conseguiu “milagres” quando a economia prosperava e enfrentou uma crise mal o petróleo ficou mais caro, com Guterres e mais tarde com o ex-primeiro-ministro suspeito de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais José Sócrates, com quem o país foi tendo crescimento enquanto ia tendo dinheiro emprestado e o Estado o gastava, e logo ficou à beira da bancarrota quando ninguém mais confiava que iria ver o dinheiro que emprestasse de volta.

Desde então, tal e qual como sempre até aí acontecera, os governos que temos tido limitam-se a empurrar os problemas do país com a barriga, rezando para que ninguém repare neles. O PSD (com a cumplicidade do CDS) fê-lo através do seu falso reformismo que nada reformou, o PS (encavalitado no PCP e no BE) fá-lo com o seu falso “virar de página da austeridade” que pode virar a página sem fechar o livro (a “austeridade” continua aí, apenas mudando a identidade de quem é escudado dos seus custos), mas se o disco foi virado, a cantiga continua a ser a mesma.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.