Portugal não é o Brasil e não tem a sua sociedade completamente partida como o país irmão. Ainda nas recentes presidenciais, Lula foi eleito amado pelos seus e quase metade da população o odeia. Assim, quer-me parecer que é um risco colocar o inquilino do Planalto como orador da sessão solene do 25 de Abril em Portugal.
O Brasil é o verdadeiro motor da língua portuguesa pela sua população e pela poderosa e magnífica indústria cultural que sobreviveu aos incultos tempos de Jair Bolsonaro, é um parceiro privilegiado e um mercado nunca devidamente aproveitado pelos empresários portugueses, mas, diga-se em abono da verdade, que, por lá, se estão marimbando para a polémica criada com esta celeuma em Portugal.
Polémica essa que tem um palerma na sua génese ou, pelo menos, uma palermice. De seu nome João Gomes Cravinho, que tratou do assunto com os pés e se pôs a fazer anúncios que não lhe competiam, pois essa tarefa cabe ao presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, depois de auscultada a conferência de líderes, não ficaria mal também ao desastrado ministro uma palavrinha ao Presidente da República.
Lula é um democrata? É. Lula é um combatente contra a ditadura militar brasileira? É. Lula gosta de Portugal? Sim e bastante. Mas Lula esteve preso acusado de corrupção, toda a máquina do PT foi decapitada por corrupção num consistente “oleoduto” com as maiores construtoras civis brasileiras (leiam o livro “A Organização” de Malu Gaspar) e a sua sucessora no Planalto, Dilma Rousseff foi castigada com um impeachment.
Bastava toda esta nuvem negra para que não fosse orador na sessão solene do 25 de Abril. E devia de haver bom senso para que João Gomes Cravinho não tivesse semeado mais uma confusão, algo que está a ser habitual neste Governo de maioria absoluta.
Entendo assim que deve ser encontrada uma solução de compromisso, que não rasgue em dois blocos os partidos com representação parlamentar.
Lula é presidente do Brasil e merece ser recebido com toda a dignidade da função, tal como qualquer outro presidente brasileiro, e estará em Portugal em visita oficial por essa altura. Logo, a racionalidade impõe que possa dirigir-se ao Parlamento noutro dia que não o da sessão solene e quem não quiser que faça o número de sair da sala, com todos os riscos reputacionais que decorrem para os partidos que alinharem nesse folclore.
Há cerca de semana e meia saiu uma sondagem no “Correio da Manhã” sobre presidenciais. Mostrava Pedro Passos Coelho como o preferido dos portugueses, mas apenas com 15% das intenções de voto, o que revela que ainda é muito cedo para esse processo e que todos os nomes citados estão próximos uns dos outros.
Contudo, o facto mais curioso era a acelerada queda do almirante Gouveia e Melo, que durante muito tempo liderou folgadamente esses estudos de opinião.
O que fez o almirante, de quem só conhecemos o sucesso numa operação de logística de vacinas e nunca lhe conhecemos nenhuma ideia sobre Portugal? Resolveu surgir, ungido pelo próprio sem ninguém lhe pedir nada, até porque quem tem competência para isso é José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna, como o combatente-mor contra o tráfico de droga, colocando notícias nos jornais.
Portanto, o almirante está mesmo interessado em ser candidato presidencial. É pena é não ter noção do ridículo que seria o retrocesso civilizacional de um país europeu voltar a ter um militar como Presidente da República.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.