Alcançada a maioria absoluta pelo PS e formado o Governo daí resultante – já algo desgastado e sem estado de graça –, António Costa assistiu, demasiado passivamente, a meu ver, ao avolumar dos chamados “casos e casinhos” que têm contribuído para a descredibilização do Governo.

Claro que nesses casos há-os relevantes e outros de somenos importância. Mas o relevo (natural) dado pela oposição e, menos natural porque com tonalidades tendencialmente comerciais, no mínimo, dado pela comunicação social escrita e falada, ajudou significativamente ao “encurralamento” do Governo…

Perante esta conjuntura, António Costa e o Governo, que num contexto de perda de poder de compra se viram cada vez mais confrontados com manifestações sociais de indignação (v.g. dos professores e de outras classes profissionais) terão decidido retomar a iniciativa política e, por exemplo, toca a mandar cá para fora um documento – que servirá de base a propostas legislativas, após debate público – focado num dos graves problemas estruturais que o país enfrenta há décadas, nem mais nem menos que a grave carência de habitação em termos acessíveis.

Ora, este documento “dispara” para todos os lados, mas não resolve – nem tal seria possível até 2026 – o problema de fundo, que é a fraca oferta pública de habitação. Contudo, insinua que pela intervenção do Estado se poderão articular interesses diversos, como são os dos senhorios, promotores,  fundos de investimento, inquilinos, instituições bancárias, dando assim a ideia de poder, de alguma forma, regular o mercado da habitação.

Claro que a controvérsia deste documento, tão vago como complexo, centrou-se na alegada “invasão” do direito à propriedade privada quando o Estado (como?) se prontifica a arrendar casas devolutas (qual o seu verdadeiro significado; como se fiscaliza esta situação?) aos senhorios e, posteriormente, subarrendar em condições mais acessíveis do que as vigentes no mercado, bem como a fixar limites às rendas do subarrendamento, no caso desses mesmos imóveis… Assim provocando – não inocentemente, a meu ver – o levantamento da questão da importância social e constitucional de dois direitos que são o da propriedade privada (primado de uma economia de mercado) e o do direito social a uma habitação digna.

Face à complexidade e melindre desta matéria, assumo como essencial um profícuo debate público antes de se apresentarem propostas legislativas concretas, com a esperança de uma possível concertação de pontos de vista entre os partidos centrais da governação – o PS e o PSD (veja-se a propósito o artigo de Carlos Carreiras, autarca do PSD, no jornal “Nascer do Sol” de 24 Fevereiro), o que decerto exigirá cedências pragmáticas no que se refere à política de habitação agora genericamente enunciada.

É, pois, com base em tudo o que refleti e atrás escrevi que considero como irresponsável e alarmista o tom geral dado à estampa pela edição de 24  Fevereiro do jornal “Nascer do Sol”, onde uma das manchetes da capa era, precisamente, “Plano de Costa pode desencadear onda de ocupações”, completado pelo editorial  “Conversa da treta” e por um artigo de fundo intitulado “Habitação – Ocupação faz soar alarmes”. Tudo isto centrado nos movimentos de ocupação de casas não habitadas no momento, que sobretudo no período da pandemia terão ocorrido em importantes cidades espanholas.

Irresponsável, a meu ver, esta atitude editorial que mais não visa do que, de facto, alarmar sem o devido fundamento os proprietários em geral, pese embora no desenvolvimento do citado artigo de fundo se especifiquem afirmações e análises mais isentas (mas o título  diz tudo!).

Denuncio esta forma de fazer jornalismo alarmista – aliás também expressa num título de um posterior artigo assinado no “Observador”, que não li, com o título “Marina Gonçalves – a Ministra que vai criar uma nova geração de okupas” (uma espécie de papaguear do “Nascer do Sol”), embora todas estas atitudes sejam legítimas em termos da liberdade de imprensa e das suas linhas editoriais predominantes. Mas que se tenha verdadeira cautela quando confrontados com títulos e manchetes deste teor, tão alarmista quanto leviano.

Finalmente, acrescento que perante o conteúdo destas propostas de intervenção no mercado da habitação – e atenção à possível adesão eleitoral face à crise em questão neste momento – admito existirem bons motivos técnicos e políticos para se introduzirem alterações mais convergentes no pacote legislativo a aprovar.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.