A proposta de lei aprovada em dezembro pelo Conselho de Ministros é votada esta quarta-feira na especialidade, na Assembleia da República, e introduz novas regras à tributação das opções de participação social oferecidas por algumas startups aos seus trabalhadores. O Jornal Económico explica-lhe o que está em causa.
O que são ‘stock options‘?
Quando uma jovem empresa arranca a sua atividade, pode não dispor de capital suficiente para garantir salários competitivos aos seus trabalhadores. Trabalhadores esses que tendem a ser qualificados, bem remunerados e relativamente móveis, no sentido em que mudam de residência com frequência.
Para compensar esta incapacidade de comportar elevados salários, a startup pode optar por oferecer opções de participação social (stock options) como parte do pacote remuneratório oferecido ao trabalhador.
E como funcionam?
Uma stock option é essencialmente um contrato que garante ao trabalhador o direito a comprar um certo número de ações da empresa por um preço fixo, durante um certo período de tempo. A ideia é que, se a empresa crescer e tiver bons resultados, o preço das suas ações vai subir e o trabalhador tem uma posição vantajosa garantida, já que pode comprar as ações a um preço muito baixo (e fixo) e vendê-las a um preço alto, com boa margem de lucro.
A título de exemplo, imaginemos que o leitor trabalha para uma startup que lhe oferece 1.000 stock options, com um preço fixo de 1,00 euro por ação. Se a sua empresa tiver um bom crescimento e o preço das ações disparar para 10 euros por ação, o leitor conseguirá comprar 1.000 ações por 1,00 euro cada e vendê-las a 10 euros cada – e lucrar 9 euros por cada ação vendida ao fazê-lo.
E se as ações da empresa não valorizarem?
Se a empresa não se der bem e o preço das suas ações se mantiver baixo ou até mesmo desvalorizar ainda mais, as stock options poderão não valer de muito.
É o risco das stock options e, em última análise, das próprias startups: ao fim do dia, não há garantia inabalável de que venham a valorizar.
Então posso ir trabalhar para uma startup só para arrecadar ‘stock options’ e sair pouco tempo depois?
Não é bem assim. A maioria dos contratos do género prevê um período de vesting. Quer isto dizer que pode não ter acesso às stock options todas de uma vez. Pode começar por ter acesso a uma percentagem das mesmas no primeiro ano, por exemplo, e gradualmente ir recebendo as restantes ao longo de um período definido entre si e a empresa.
Esta foi a forma que muitas startups arranjaram para tentar reter os seus trabalhadores. Mas, como tudo, é uma questão de negociar. Como em todos os produtos financeiros, sejam eles adquiridos da forma que forem, existem riscos.
E quando vender as stock options, tenho de pagar imposto?
Essa é precisamente a questão que aqui nos trouxe: o regime tributário aplicável às stock options, que está inserido na proposta de lei, aprovada em dezembro em Conselho de Ministros.
Em termos simples: sim, a venda das participações sociais estará sujeita a tributação.
Contudo, o tratamento tributário das stock options pode ser um quê de complexo, e pode depender de vários fatores. É o caso noutros países, como EUA, Alemanha e França.
Para começar, existem vários tipos de stock options. Além disso, a maior parte dos regimes do género têm em conta o momento em que essas opções são exercidas e a proposta portuguesa também terá. Também é comum ver penalizações ou mais-valias, consoante o tempo durante o qual manteve as opções sem as exercer. Ou seja: que stock options tem, quando as exerce e ao fim de quanto tempo.
O que significa exercer as stock options?
Ao exercer a opção, entenda-se que está a comprar a ação a que tem direito pelo preço fixado ao invés do valor de mercado. Noutras jurisdições, o imposto costuma estar relacionado com a diferença entre o preço fixado e o preço praticado no mercado no momento do exercício.
Contudo, tudo depende das regras fiscais aplicáveis. Nalguns países, ao manter as ações por mais de um ano depois de exercer a opção, ou dois anos depois da atribuição dessa opção, há regimes fiscais que os consideram ganhos de capital a longo prazo. Poderão até ser levemente taxados, ou taxados ao nível do rendimento corrente. Contudo, pode também haver lugar a uma tributação agravada, se o período entre a atribuição da opção e o exercício da mesma for muito reduzido e entendido, por algumas autoridades tributárias, como especulativo.
É importante salientar que as regras aplicáveis a este tipo de produtos não são estanque, e que cada caso é um caso. Na dúvida, ninguém melhor do que um contabilista ou consultor fiscal para o esclarecer.
E se eu sair do país enquanto não tiver ainda exercido as minhas stock options?
Antes de mais, importa saber se o cidadão é proveniente do espaço comunitário ou se se vai fixar – juntamente com os seus capitais – fora desse espaço.
Por isso, há aspetos a recordar. De um modo geral, a União Europeia estabelece um framework de livre circulação de pessoas, bens e capitais dentro do mercado único. Esta livre circulação permite a relativamente fácil movimentação de capitais entre os Estados-membro, incluindo produtos de investimento financeiro, como stock options e garantias do género.
Qualquer medida fiscal que restrinja ou impeça essa livre circulação de capitais pode estar sujeita a escrutínio, à luz das leis europeias. O Tribunal Europeu de Justiça já deliberou no passado que os Estados-membro não devem impor medidas que desincentivem o investimento, por parte de indivíduos ou empresas, noutros Estados-membro ou mesmo que movimentem os seus capitais entre esses países.
Mas não diz que os países não podem eles próprios criar condições de incentivo. Fazê-lo poderá até ser contraditório perante a premissa de um mercado único.
Por isso, se a proposta de lei for entendida como uma restrição a essa livre circulação, pode vir a ser considerada uma violação da lei europeia. Ainda assim, os detalhes específicos da lei e o seu potencial impacto nessa circulação terão de ser cuidadosamente analisados para determinar se é consistente com as diretivas comunitárias.
Aliás, os pareceres apresentados pelas diversas associações à proposta de lei, entre elas Startup Portugal, ANI, IAPMEI e outras – contempla sugestões de alteração ao regime proposto.
Importa ainda ressalvar que os Estados-membro são, de modo geral, livres de determinar as suas próprias políticas fiscais – desde que estas estejam em concordância com as diretivas europeias. Assim, é esperar para ver. Mas alguns especialistas já alertaram para o potencial litigioso desta proposta.
Porquê? O que prevê então esta proposta em termos de impostos?
Resumidamente, “este novo regime procura alinhar o momento do pagamento do imposto com o momento em que os trabalhadores efetivamente exercem a opção que lhes foi anteriormente concedida (que tende a coincidir na maioria dos casos com o evento de liquidez ao nível da empresa), tendo assim em vista regular de forma exclusiva a tributação das stock options, adiando a tributação destes ganhos até ao momento da alienação dos valores mobiliários ou direitos equiparados”, escrevem Ana Carrilho Ribeiro e António Queiroz Martins da Morais Leitão.
Além disso, estes rendimentos serão entendidos como rendimentos de trabalho (Categoria A do IRS), mas aplica-se exclusivamente uma taxa fixa de 28% apenas sobre metade dos ganhos considerados.
E além de impostos, o que há de novo?
Algumas coisas. A proposta de lei começa até por introduzir os conceitos legais de ‘startup’ e ‘scaleup’. Ademais, remete as responsabilidades da certificação dessas empresas para a Startup Portugal, uma associação sem fins lucrativos sob tutela do Ministério da Economia e do Mar.
https://jornaleconomico.pt/noticias/ha-um-novo-porteiro-no-ecossistema-empreendedor-1007791
A proposta parte do princípio que está em falta um regime tributário competitivo que abranja as stock options oferecidas pelas startups. Para isso, define os critérios para considerar se uma empresa é uma startup ou uma scaleup e se tem ou não acesso a esse regime tributário.
Quem fará a validação desses critérios é a Startup Portugal, que será ainda obrigada a manter uma lista pública das entidades certificadas. Entidades essas que terão de provar a sua eligibilidade à associação a cada três anos.
O documento discutido esta quarta-feira na Comissão de Orçamento e Finanças prevê ainda que estes conceitos legais – startup e scaleup -, bem como os critérios adjacentes passem a ser considerados para outras iniciativas legislativas.
Outrora uma no man’s land, o ecossistema empreendedor passará a ter um quadro regulatório mais em linha com o que é praticado noutros países. O objetivo, segundo a proposta, é mesmo fomentar essa competividade e atração do país. Neste caso, pela via fiscal.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com