A China, enquanto tema mediático, parece ter entrado definitivamente nas nossas casas. É raro um noticiário, um jornal ou um portal de informação que não tenha a China como tópico de notícia, opinião, reportagem ou comentário. A crescente importância da China transformou-a também em objeto de reflexões mais ou menos informadas e, sobretudo, num objeto de criação de opinião, ou seja, de envolvimento do leitor, telespetador ou ouvinte na criação de um parecer valorativo pelo país.

No formato positivo, enaltece-se a capacidade do país em combater a pobreza ou em conseguir industrializar rapidamente o país, apostando na inovação e desenvolvimento tecnológico. No formato negativo, refere-se o seu regime político e a falta de adesão a alguns valores ocidentais. Acaba por simplificar-se demasiado a compreensão de um país que percorreu uma longa marcha para o desenvolvimento, com custos internos elevados, mas também com algumas conquistas que lhe proporcionam o lugar que agora ocupa na Ordem Internacional.

Dependendo dos estados e regiões, a China tem sido vista como uma parceira, uma competidora ou simplesmente uma potência global que ocupa o segundo lugar na hierarquia internacional. A política externa da China, sobretudo, a que foi levada a cabo depois da política de abertura e, mais tarde, de saída do país, construiu-se em cima de pequenos passos, consistentes, mas pacientes.

Em 1955, na Conferência de Bandung, que reunia na Indonésia os países recém-libertados do colonialismo, a China proclama os princípios da sua política externa num palco que tem visibilidade mundial. Nesse período, a República Popular da China ainda não era reconhecida como parte integrante do sistema internacional, com exceção do bloco comunista e de algumas jovens independências.

A China, a par da Índia e da Indonésia, partilhava um palco que anunciava a existência de uma terceira parte que, também despontando da Segunda Guerra Mundial, parecia esquecida pelos grandes protagonistas do conflito mundial.

Emergia, então, o Terceiro Mundo, que não fazia parte dos outros mundos do hemisfério norte. A China percebeu a importância deste facto e nunca mais abandonou o mesmo, ainda que sem enunciá-lo, fomentando a ideia de partilha com o Sul, que hoje se denomina como Sul Global.

Depois da morte de Estaline, a China enfrenta a cisão com a União Soviética, pois o Presidente Mao Zedong rejeita a renúncia ao legado estalinista perpetrada pelos novos donos do poder de Moscovo. Esta fragmentação isola ainda mais a China que encontra nos movimentos revolucionários em África uma possibilidade de internacionalização e criação de parcerias. Contudo, é também esta separação entre os dois grandes países comunistas (em extensão e população) que trará a China para o seio da comunidade internacional.

Quando os Estados Unidos estabelecem contacto diplomático com a República Popular da China e, com a morte do presidente Mao, se abre espaço para a recuperação económica e social da China, eis que todo um mundo novo de oportunidades se abre a este país. A troco da abertura ao investimento e mercado internacional, a República Popular da China ganha o assento nas Nações Unidas, substituindo a representação da Formosa (Taiwan).

Com a receção de investimento externo e a industrialização do país, os sucessivos governos chineses conseguem melhorar as condições de vida da população e encetar uma nova página no crescimento económico e desenvolvimento do país. Depois dos Estados Unidos, vêm outros países, sobretudo, os países europeus e com estes as suas fábricas, o seu conhecimento e o seu modo de vida.

Durante algum tempo, os países ocidentais acalentaram a esperança de que o movimento económico seria acompanhado por um movimento político.

A economia de mercado seria estabelecida a par de uma progressiva adoção do modelo de democracia ocidental. A repressão dos manifestantes de Tiananmen retirou essa esperança política aos países ocidentais, mas não os investimentos e a transferência de tecnologia para a China que, muito devagar, ia tentando formar quadros e substituir as indústrias de mão de obra intensiva por outras, mais interessantes para o desenvolvimento do país.

Globalização da China e de outros países em desenvolvimento

A evolução da economia global conduziu a uma aceleração dos processos de globalização da produção e distribuição de bens e serviços. Por essa altura, governos e multinacionais dos países desenvolvidos concordaram na necessidade e benefício de envolver os países menos desenvolvidos. Países como a China, a Índia, a Indonésia ou a Turquia recebiam investimento em troca desta integração na cadeia de valor internacional.

Em simultâneo, preparavam as gerações mais jovens, aposta que a China levou muito a sério, tornando-se num exportador de alunos para o ensino superior nos países ocidentais que, depois de regressados, asseguravam novas transferências de conhecimento para o país. Para além de fornecedores de mão de obra barata, estes países tornaram-se recipientes de tecnologia e conhecimento que foram aproveitando e reintegrando através da geração dos seus próprios quadros. Era a globalização que também lhe alimentava a esperança de subida na cadeia de valor.

Na verdade, estes países, e a China em particular, tiveram um desempenho tal que os tornou veículos de globalização e exportadores de capitais. A globalização permitia-lhes não só participar no mercado global como subir na cadeia de valor. Desta forma, foram-se aproximando do mundo desenvolvido e tornando mais reivindicativos relativamente à sua participação na ordem internacional, promovendo alinhamentos que reivindicavam o multilateralismo.

A partir dos anos da estratégia de saída para fora da China, multiplicaram-se os esforços para a criação de fóruns multilaterais de carácter regional, liderados por este país.

Assim, na primeira década surgem os fóruns para África, Países Árabes e Países de Língua Portuguesa. Na década seguinte, será a vez da América Latina. Ainda nos primeiros anos do século XXI, em parceria com a Federação Russa, toma a iniciativa de criar a Organização de Cooperação de Xangai, focada no combate à ameaça terrorista e aos tráficos ilegais, mas que permitiu uma aproximação aos países da Ásia central e que hoje também inclui a Índia e o Paquistão.

Este trabalho, muitas vezes discreto, foi dando frutos, primeiro, económicos e, depois, políticos, numa aceitação tácita ou expressa de muitos dos países que participam nestes fóruns. A ideia da China para a ordem internacional tornou-se numa perspetiva exportável e que aposta no multilateralismo e multipolaridade.

China e Europa

É evidente que o percurso da China, e o seu reposicionamento na esfera internacional, trouxe também realinhamentos dos seus parceiros.

Assinalam-se, em 2023, os vinte anos da parceria entre a União Europeia e a República Popular da China e é relevante o facto de 19 dos 27 países da União Europeia terem acordos de parceria com a China. Outros tantos ainda têm memorandos de entendimento no âmbito da Nova Rota da Seda. Significa isto que não só a economia está interligada e interdependente, como o reconhecimento político deste facto é feito através destes acordos de parceria e entendimento.

A visita dos presidentes Emmanuel Macron e Ursula von der Leyen corresponde, também, ao reconhecimento da necessidade da manutenção de uma diplomacia ativa com a China e da impossibilidade de gerar uma interrupção imediata das interdependências criadas. Aliás, o fim total destas interdependências não seria mais do que uma renúncia à própria globalização, em tempos liderada pelo mundo ocidental.

Embora reconheçam na China um ator global mais competitivo, os países europeus continuam também a ver na China um parceiro para os negócios. Apesar de muitas vezes o discurso político parecer discorrer num sentido contrário à prática económica, vemos agora que a simultaneidade das visitas do presidente francês e da presidente da Comissão Europeia demonstram como estes discursos conflituantes terão de encontrar um equilíbrio.

A diplomacia dos países europeus e da Comissão Europeia pode ser mais assertiva, mas terão de contar com uma China que se globalizou e que poderá conseguir atrair para o seu lado parceiros na construção de um sistema de trocas internacionais paralelo ao existente. A abdicação do dólar como moeda de troca comercial é um sintoma do que está a mudar.

A Europa tem de encontrar uma forma de descodificar e conhecer melhor a China, tão bem como os dirigentes chineses já conhecem a Europa. Precisa de encontrar um caminho que defenda os seus interesses e que se torne proativo em relação a este parceiro económico desafiante que é a China.

Ler a China para conhecê-la

Ultimamente, e dado o interesse despertado em torno da China, têm sido editados ou reeditados livros relevantes para o seu conhecimento. Deixo aqui dois exemplos que seguem dois caminhos muito diversos, mas a partir dos quais podemos aprender um pouco mais sobre o país que saiu da pobreza e subdesenvolvimento para se tornar numa potência de nível global.

É preciso lembrar que até ao início do século XIX, a China representou cerca de um terço da riqueza mundial, caminho esse que foi perdido pela impossibilidade de introdução da indústria e modernização do sistema político. Só fazendo essa ponte entre o passado e a contemporaneidade, poderemos compreender como a China conseguiu superar o seu atraso tecnológico e compreender, também, como o seu regime político é aceite pelos cidadãos chineses.

Aconselho, por isso, a leitura do livro da autoria de Tereza Sena, intitulado “Tomás Pereira e o Imperador de Kangxi: um diálogo entre a China e o Ocidente”, editado pela Guerra e Paz, em 2022. Neste livro, a historiadora traça uma narrativa histórica sobre a estada do jesuíta português na Cidade Proibida, de como privou com o imperador chinês e de como acabou por influenciar o diálogo diplomático entre a China e a Rússia de então, dois impérios em desavença.

Sem apelar ao exotismo, Tereza Sena circunstancia a sua escrita em documentos históricos, mas dá-lhe um contexto que quase parece roçar a história contada. Tereza Sena guia-nos no decorrer da história, mas não nos impõe interpretações, deixando a cargo do leitor a formação da sua perspetiva sobre os eventos relatados. O livro de Tereza Sena já foi integrado no Plano Nacional de Leitura.

Outro livro interessante é “A China depois de Mao: a ascensão de uma superpotência”, da autoria de Frank Dikötter, editado pela Temas e Debates, em 2023. Neste caso, o autor viaja pela China da segunda metade do século XX e início do século XXI. O autor fundamenta os acontecimentos que relata, mas concede-lhes sempre uma interpretação, guiando a perspetiva que pretende ver formada pelo leitor.

A exposição das contradições da China está patente e permite ao leitor pensar como estas dificuldades permitiram, mesmo assim, que a China se tornasse a segunda maior potência mundial. Conhecedor indubitável da China, o autor poderia ter deixado mais espaço ao leitor para a sua interpretação.