Eis que alguns responsáveis políticos começam a interrogar-se sobre uma eventual excessiva dureza por parte do Banco Central Europeu (BCE) no que toca ao combate à inflação. O Presidente da República, no caso de Portugal, e, embora em tons mais moderados, o primeiro-ministro.

Compreende-se a “advertência”, pois as prováveis subidas consistentes das taxas de juro – com o objectivo de combater a inflação, aliás o core da atuação do BCE – irão gerar efeitos recessivos na economia. Compreende-se mas não têm razão, objectivamente falando.

É que a formatação dos preços nos mercados, a diversos níveis, é fruto do cruzamento entre a oferta e a procura. Em termos macroeconómicos haverá um ponto em que as curvas da procura agregada e da oferta agregada se cruzam reflectindo um determinado nível geral de preços. Naturalmente, se se tiver verificado uma restrição do lado da oferta, com manutenção do nível da  procura, então ocorrerá uma subida dos preços e a inflação tenderá a escalar.

E mesmo que as causas desta subida de preços estejam circunscritas a fenómenos bem especificados – efeitos da pandemia e agora da guerra na Ucrânia –, o certo é que esta tendência altista, alavancada pelos custos da energia e dos produtos alimentares de base – vai contaminando as diversas áreas das economias interdependentes, tornando-se um verdadeiro fenómeno global.

E, nestes termos, uma nítida restrição na oferta que ocorreu – sem prejuízo de se considerar a implementação de algumas políticas de cariz expansionista nos últimos anos, geradoras também de pressões do lado da procura, e sendo o objectivo central do BCE controlar o nível da inflação –, então há que retrair a procura agregada, designadamente através do aumento das taxas de juro de referência, indicativas que são para os mercados.

Dito doutra forma, se, perante aumentos de taxa de juro decididos pelo banco central e permanecendo as condições gerais de restrição da oferta, ocorresse uma travagem nesta subida e se porventura  fossem adoptadas medidas estimuladoras da procura agregada anti-recessivas, então seria certo que poderia aumentar o produto/riqueza mas à custa duma maior subida dos preços.

Ora, a prazo, uma consistente taxa de inflação tende a escalar, criando um maior fosso de desigualdades e afectando de forma estrutural a própria competitividade da economia. E embora os Estados tendam nestas situações a arrecadar maiores receitas fiscais, tal não constitui argumento sólido e suficiente para mitigar os efeitos da inflação sobre o poder de compra, já que permaneceria o nível de preços em patamares elevados, incomportáveis para o BCE como pilar da política monetária europeia.

Creio, pois, que alguma moderação deve existir por parte dos responsáveis políticos no seu apelo refreador à intervenção independente e sensata do BCE nesta conjuntura. Contudo o BCE não estará isento de críticas, designadamente no que toca ao retardamento da sua acção quanto à subida das taxas de juro.

Actuar com rapidez – mesmo antes da guerra na Ucrânia já havia sinais de tensões inflacionistas vindas da pandemia – teria sido bem mais eficaz. Importante, no entanto, será criar desde já um quadro de expectativas que evidenciem que políticas coerentes e persistentes acabarão por gerar baixas de inflação, perspectivando a prazo que os motivos de quebra na oferta tenderão a abrandar.

Tais expectativas irão traduzir-se num referencial importante que é o nível tendencialmente descendente das taxas de juro a longo prazo. Com coerência e persistência no combate à inflação, e sempre com uma dose adequada de sensibilidade social, é nisso que se deve apostar! E não interiorizar que entidades como o BCE são boas apenas quando favorecem conjunturas.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.