As eleições americanas tiveram um desfecho inesperado: os republicanos ganham o controlo da Câmara dos Representantes (à data, estamos a um mandato da maioria, 217-209), mas perdem no Senado e acumulam derrotas surpreendentes nas restantes votações, com destaque para a eleição de Katie Hobbs como Governadora do Arizona face a Kari Lake, a mais trumpista das trumpistas. Lake não foi para casa sozinha: com ela vão Cox (o do tweet “Pence is a traitor”) na Marilândia, Bailey no Ilinóis e Mastriano na Pensilvânia.
No Senado, tiveram o mesmo destino Oz na Pensilvânia, Bolduc em New Hampshire e Laxalt no Nevada. O Mundo pode respirar de alívio: pelo menos quinze dos candidatos carismáticos empurrados pelo próprio Trump afinal não são carismáticos. Com efeito, as eleições de meio de mandato nos EUA são geralmente vistas como um referendo ao Presidente; desta vez parecem tê-lo sido também a Trump: 32% dos eleitores dizem ter votado para se oporem a Biden, mas 28% dizem tê-lo feito contra Trump. Afinal, quem perdeu?
As consequências deste Congresso dividido serão interessantes para a política económica. Uma Câmara dos Representantes contra Biden pode provocar danos, o mais importante a não aprovação de um aumento do teto para a dívida pública (que hoje é 31,4 milhões de milhões de dólares) que provocará um shutdown do Governo – o fecho de serviços públicos não essenciais e o licenciamento de funcionários por falta de fundos para financiar o Orçamento.
Desde os anos 70 já houve 22 situações destas, incluindo 16 dias na Presidência Obama devido ao custo do Affordable Care Act e 35 dias com Trump por causa do muro na fronteira com o México. No atual estado da arte e com um artista como Trump a querer travar Biden, é uma situação provável. A política económica será ziguezagueante, o que reforça o papel da Reserva Federal norte-americana e de Powell – a política monetária será mais importante, e estará mais livre do que nos últimos meses: a inflação dá sinais de ceder e a Vice-Governadora Brainard disse ser provável uma redução no ritmo de subida da taxa de juro; a CME dá 80% de probabilidade a um aumento de “apenas” 50 pontos base em dezembro.
Trump confirmou-se como o maior passivo do Partido Republicano, depois de o ter feito perder três eleições consecutivas. Quem tinha comprado os calções de banho e prancha de surf à espera da “onda vermelha” de terça-feira 8 ficou com água pelos tornozelos. E é por se encontrar debaixo de forte crítica e rivalidade no seu próprio partido que se tornou necessário para Trump avançar com a candidatura à presidência em 2024. O que, diga-se, torna mais fácil a vida aos democratas, que teriam uma situação mais complicada se defrontassem DeSantis, por exemplo.
Trump consegue mais do que dividir os americanos, consegue dividir os republicanos. Para os democratas, é o candidato republicano ideal, mas não acredito que tenham essa sorte.