Ainda falta muito para tal eleição, porém, já se efectuam sondagens para o futuro sobre eventuais candidatos presidenciais. Apontar António Costa, Pedro Passos Coelho, Marques Mendes, Paulo Portas, Augusto Santos Silva faz sentido, pois poderão fazer parte do totobola habitual, porquanto se sabe que, apesar de surgirem sempre alguns independentes – como num passado recente Fernando Nobre ou Sampaio da Nóvoa – é depois de uma sustentada carreira política que emergem os nomes mais fortes.
Ora, os últimos estudos de opinião apontam agora Gouveia e Melo como um dos mais populares. Tem todo o direito de se candidatar como qualquer cidadão português, naturalmente, se tiver esse gosto e ambição, tem idade, tem prestígio militar e já enorme notoriedade pública, mas o que se sabe do almirante? Pouco.
Fez um importantíssimo trabalho de logística no processo de vacinação, e é daí que advém essa popularidade, de resto pouco se sabe dele para lá de umas historietas em revistas cor-de-rosa ou entrevistas controladas. Aliás, a única intervenção solta que fez foi para o jornal “Nascer do Sol” e foi um autêntico desastre.
Mas mais importante do que conhecer a pessoa, é saber o que pensa sobre Portugal, qual o nosso papel no mundo, qual a visão sobre diversos pilares do Estado, por exemplo, sobre a Justiça, que opiniões tem sobre a guerra na Ucrânia, a União Europeia, a Lusofonia. Mas também sobre a energia, o emprego, finanças públicas e sistema financeiro. Sobre tudo isto que menciono, zero. E sem este caderno de encargos bem sabido é um risco colocar qualquer pessoa em Belém.
Sobre a instituição militar saberá com certeza muito e sobre a Marinha outro tanto. Todavia, esta semana saiu discretamente uma notícia na qual ninguém reparou.
Certamente que estarão lembrados que logo após a sua tomada de posse como Chefe de Estado-Maior da Armada, saíram capas de jornais sobre uma ideia visionária, e peregrina, de Gouveia e Melo sobre um “projecto disruptivo”, um “navio multifunções e multipropósito”, que segundo notícias na imprensa seria “uma pioneira plataforma naval com múltiplas capacidades, essencialmente robóticas e sistemas não-tripulados” (cito notícia do “DN”).
Pois bem, o concurso foi lançado, até porque Gouveia e Melo conseguiu garantir do PRR um financiamento de 100 milhões de euros, repito, 100 milhões de euros (repeti porque é para ficar atónito), para a dita ideia peregrina e visionária.
O que foi notícia, então, na qual ninguém reparou esta semana? É que o concurso para a construção do navio saído da cabeça do almirante teve dois candidatos, um foi qualificado, mas depois não apresentou proposta. Isto é: o navio não sai do papel e esta “grandiosa” ideia foi ao fundo, ficando por saber o que a Marinha vai fazer aos 100 milhões vindos do PRR, que dariam muito jeito para apoiar empresas portuguesas.
Esta notícia a que ninguém ligou é um dano reputacional para Gouveia e Melo, e a prova de que para ser Presidente da República é preciso bem mais do que gerir um processo de logística de vacinas. Primeiro passo, ter cuidado com o que fazemos e não fazemos e não disparar ideias peregrinas que não são efectivadas. Fica a lição.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.