“O seu futuro ainda não foi escrito. Nem o de ninguém. O seu futuro será aquilo que fizer dele” – Dr. Emmett L. Brown, “Back to the Future”
O último ano foi marcado por uma espécie de grande hiato no que diz respeito ao processo de transição para uma sociedade pós pandemia. Coincidência ou não, a escalada do conflito entre Ucrânia e Rússia espoletou um processo de arrefecimento económico mundial, recentrou novamente as atenções globais com fantasmas passados adormecidos – o de uma espiral inflacionista incontrolável – e agora, que nos encontramos à porta de 2023, uma complexa combinação de desafios e riscos parece garantida, alimentando incertezas e adiando mudanças estruturais decisivas para as próximas décadas.
Desde logo, porque a probabilidade de uma recessão prolongada pode ser significativa. A inflação continua elevada, e os bancos centrais continuam a subir as taxas de juros ao mesmo tempo que o endividamento global permanece elevado e que os governos têm espaço condicionado para implementar estímulos fiscais em dimensão suficiente para contrabalançar as perdas de rendimentos e do consumo decorrente dos aumentos dos preços.
Os riscos geopolíticos permanecem no sentido da construção de uma grande cortina de ferro global. A guerra na Ucrânia continua, assim como a crise energética resultante da mesma. Mesmo que esses fatores desaparecessem da noite para o dia, questões recorrentes como desigualdade social e populismo continuam a alimentar um cenário de complexidade social. Apesar dos desafios, a história tem demonstrado que as crises não duram para sempre. Adicionalmente as teses de transformação digital permanecem válidas. Assim como os compromissos de descarbonização. Até que ponto podemos então, considerar que 2023, será o primeiro ano da transformação do ciclo pós pandemia?
Os sinais da economia apontam para uma recessão, mas o princípio do fim pode estar à vista
As perspetivas das economias têm vindo a tremer com a acentuada subida da inflação, e que promete ter impacte no consumo e na atividade, que está longe de ser negligenciável. No entanto, há sinais que começam a permitir ver alguma luz no fim do túnel.
A inflação nos EUA recuou ligeiramente em outubro, ficando abaixo das expectativas de diversos observadores, alimentando esperanças de que a inflação na maior economia do mundo já atingiu o pico e pode se mostrar menos rígida do que se temia inicialmente – os preços de bens e automóveis caíram, à medida que as interrupções na cadeia de abastecimento continuaram a diminuir.
Além disso, os preços ao produtor na Alemanha caíram 4,2% em outubro, um primeiro sinal de que as pressões inflacionárias dos preços de insumos podem diminuir na maior economia da Europa. A divulgação preliminar do Índice de Preços ao Consumo da zona do euro para novembro também mostrou uma leve redução da inflação para 10% na comparação ano a ano.
Uma combinação de fatores chave de confiança global – o ciclo de alta das taxas pode estar próximo do fim, a crise do gás na Europa menos provável e o fim progressivo das restrições de da China – parecem ter alimentado as bolsas internacionais em novembro que se recuperaram das baixas de outubro com as ações de índices mundiais subiram cerca de 7%, enquanto as referências para os mercados de Obrigações e Dívida também mostraram sinais de estabilização, o que aponta para uma menor ansiedade por parte dos mercados financeiros relativamente a 2023.
Para esta estabilização, também tem contribuído a menor probabilidade de racionamento energético na União Europeia (UE), decorrente das sanções provenientes de Moscovo. Os riscos diminuíram significativamente nos últimos meses, devido a uma combinação de bom senso e boa sorte.
Bom senso, porque a Europa conseguiu encher os seus tanques de gás durante o verão, substituindo em grande parte o gás russo por gás natural liquefeito dos EUA. E desde então, a Europa teve a sorte de um outono muito ameno e, como resultado, entra nos três principais meses de inverno com tanques de armazenamento quase cheios, e parece cada vez mais propensa a sobreviver a este inverno sem ter de recorrer ao racionamento de energia.
Fatores que podem ser catalisadores: inflação controlada, estabilização geopolítica e o regresso da China
O que pode então fazer virar os tabuleiros, e voltar a recentrar o foco no crescimento estrutural já em 2023? Desde logo, a perceção de que a ação dos bancos centrais está a ter sucesso no sentido de controlar aos preços, e que existe um fim à vista. Quanto mais cedo essa perceção for incorporada nos diversos agentes económicos, mais rápido será o posicionamento dos decisores de políticas públicas, e dos investidores estratégicos que atuam em favor de uma transformação económica, ambiental e social para as próximas décadas.
Em segundo lugar, uma rápida conclusão do conflito militar entre Ucrânia e Rússia. Dificilmente veremos o fim da cortina de ferro que se levantou entre a Rússia e o Ocidente, depois da invasão de 24 de fevereiro passado. E as cicatrizes decorrentes têm profundidade suficiente para durarem décadas a sarar. Mas existem alguns desenvolvimentos que poderão rapidamente ser incorporados como favoráveis para se poder virar a página em termos de impacte de expectativas para 2023.
Desde logo, o fim das hostilidades militares e a transição dos diferendos para o campo diplomático teria duas vantagens: i) a redução de escalada militar e da probabilidade de um conflito nuclear, que está atualmente incorporada como condicionante ao crescimento, sobretudo europeu; ii) a possibilidade de normalizar a cadeia de distribuição e consequentemente alguns preços de bens alimentares. Um acordo que permitisse reduzir o nível de sanções neste momento em vigor entre Ocidente e Rússia seria a cereja no topo do bolo, mas será praticamente impossível – a menos que exista uma capitulação e demissão da cúpula do governo de Moscovo – para que seja um facto durante o próximo ano.
Por fim, o regresso da China a um ciclo sem restrições de Covid pode ser de enorme relevância, e servir como catalisador para o fim deste hiato. Durante o corrente ano, a economia chinesa enfrentou um conjunto de desafios totalmente diferente do mundo desenvolvido, com bloqueios generalizados ainda em vigor para conter a propagação do Covid-19. Baixos níveis de vacinação, principalmente entre os idosos, juntamente com uma rede hospitalar menos abrangente do que no Ocidente deixaram as autoridades chinesas relutantes em avançar para uma política de “conviver com a Covid”.
No entanto, um período prolongado de bloqueio também parece insustentável, sendo expectável que a China experimente uma aceleração na atividade à medida que a procura reprimida for reposta. Esta normalização da economia chinesa pode também ajudar a aliviar significativamente as interrupções na cadeia de abastecimento, que contribuíram para o rápido aumento da inflação de bens.
Uma palavra final para um fator, sobre o qual já me debrucei no ensaio do mês de novembro, “Combater a pobreza num mundo mais dividido”. A nível humanitário, na sequência de todos os desenvolvimentos recentes, existe uma crise com o custo de vida que tomou conta de muitos países e geografias. A pobreza é de facto uma ameaça que deve ser tida em conta em 2023. Existe pouca capacidade fiscal para absorver os déficits que vão surgir nos orçamentos familiares, e as tensões sociais poderão intensificar-se. Na sequência deste empobrecimento, poderá verificar-se também uma maior pressão sobre os sistemas políticos.
O que, por sua vez, poderá deteriorar mais a confiança nos líderes políticos e na capacidade de o sistema ser capaz de definir claramente as prioridades de políticas públicas necessárias para promover qualidade de vida e o chamado elevador social. As alterações climáticas deverão continuar a dominar a agenda de transformação económica, caso se ultrapasse este compasso de espera em 2023. Contudo, não é de negligenciar a possibilidade de um foco maior em questões sociais, incluindo gestão de capital humano, direitos humanos e diversidade e inclusão, durante o próximo ano.
Bottoms’ up: uma luz ao fundo do túnel em 2023
Olhando para o futuro, à medida que avançamos para o final do ano, existem alguns sinais animadores. Porém, controlar a inflação é um ato de equilíbrio complexo que virá com um custo económico e uma recessão económica provavelmente deverá ser inevitável durante o início do próximo ano. Também existe bastante incerteza em torno do desenlace final do conflito militar na Ucrânia, que pode continuar a influenciar o custo de vida ocidental e manter o espetro de um conflito nuclear à escala global.
No entanto, os investidores poderão começar a prever a inflação à medida que se for resolvendo o estreitamento da cadeia de abastecimento global e que Europa consiga diversificar o fornecimento de energia. Além disso, a China provavelmente estará de volta ao caminho do crescimento, após um período de política Covid zero, podendo 2023 acabar por ser efetivamente o fim do hiato e o regresso aos temas de crescimento estrutural para a economia relacionados à digitalização, ESG e inovação.