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Empresas de carnes e peixes artificiais veem “desafios” com a crise

Multinacionais como Beyond Meat ou Impossible Foods tiveram um crescimento exponencial em 2019-20 e hoje enfrentam quebras de vendas e despedimentos. Em Portugal, outras ‘agrotechs’ admitem preocupações, mas garantem impacto positivo do negócio no longo prazo.
Beyond Meat
13 Novembro 2022, 12h00

“É um game over para a indústria da carne. Eles é que ainda não perceberam”. Estávamos em plena pandemia, no final de 2020, quando o fundador do unicórnio das carnes alternativas Impossible Foods atira esta frase na edição mais digital de sempre da Web Summit, em confinamento. Embora Patrick O’Reilly Brown tenha antecipado o fim do negócio da carne como hoje (ainda) a conhecemos, dois anos depois nem a empresa voltou ao palco da Web Summit nem os consumidores deixaram os bifes de vaca.

Aliás, o mercado dos hambúrgueres e salsichas à base de plantas e com sabor a carne já teve melhores dias. Há cerca de um mês, a Impossible Foods anunciou uma reestruturação e despediu 6% da força de trabalho e, logo na semana seguinte, a concorrente Beyond Meat demitiu 200 pessoas para reduzir custos. A dupla de empresas de referência no sector apercebeu-se de que os consumidores, confrontados com a inflação, procuravam opções mais baratas nos supermercados.

O Jornal Económico (JE) contactou tecnológicas da área agroalimentar (agrotech) com operação ou ligação a Portugal para perceber se este fenómeno já se sente nas despensas dos portugueses e a opinião foi unânime: a queda no poder compra, no curto prazo, traz “desafios” e “impacto negativo” nas vendas de carnes e peixes artificiais, mas no longo prazo este sector vai crescer, até porque a solução do “maior problema científico no mundo” – já dizia Patrick O’Reilly Brown sobre as moléculas que tornam a carne e o peixe saborosos e como podem ser imitadas – continua em desenvolvimento.

“A alta inflação dos alimentos é hoje uma realidade global que afeta a maioria dos países, inclusive Portugal. Sem dúvida que este contexto económico a curto e médio-prazo é um grande desafio para toda a indústria de alimentos e bebidas, o que pode gerar desafios na procura de carnes vegetais, mas vemos como inevitável o seu crescimento acelerado a longo prazo”, diz o fundador da startup brasileira Future Farm (Fazenda do Futuro). “Ao longo do tempo, mais estudos vão continuar a provar a superioridade das carnes vegetais para a nossa saúde e a do planeta, e a tecnologia continuará a aperfeiçoar ainda mais os produtos de origem vegetal, gerando economias de escala e produtos ainda mais competitivos versus a proteína animal”, argumenta Marcos Leta.

Sem detalhar números, o empreendedor garante que Portugal, onde a empresa está desde março, demonstra-o: nas primeiras semanas, as vendas foram quatro vezes mais altas do que o previsto e a tendência de evolução prosseguiu durante os meses subsequentes. “Nota-se a preocupação dos portugueses em se alimentarem de forma mais saudável, no cuidado com o ambiente e um crescimento principalmente das dietas flexitarianas. As pessoas querem-se alimentar de outra forma e, ao experimentarem os nossos produtos, surpreendem-se com a qualidade e com a semelhança de sabor às carnes de origem animal”, afirma.

Em causa estão espécies vegetais de hambúrgueres, carne picada, almôndegas, salsichas frescas, peças de frango e atum, produzidos sem glúten e com ingredientes como proteína de ervilha, soja isolada, proteína de grão-de-bico, beterraba para imitar o tom de sangue/carne, que se encontram à venda nos supermercados do El Corte Inglés, na cervejaria Musa e através das aplicações de entregas Getir e Uber Eats (Porto). O hambúrguer está em restaurantes como o Green Affair, o Kafeine, o Teatro à Mesa e nos espaços do grupo Nicolau, conhecidos pelos brunchs mais saudáveis.

A espanhola Mimic Seafood, que está a participar na quinta edição do programa de aceleração Blue Bio Value, promovido pela Fundação Oceano Azul e pela Fundação Calouste Gulbenkian, procura fazer o mesmo, mas na vertente de peixes e mariscos. A startup cria alimentos do mar com ingredientes 100% vegetais, como algas, para enriquecer o valor nutricional e o sabor do produto através de uma produção sustentável. Ou seja, sushi vegano com sabor a atum e salmão.

Ao JE, a cofundadora Ida Speyer refere que o primeiro produto da marca, o “Tunato”, está disponível em Espanha, na Dinamarca e nos Países Baixos através dos nossos parceiros nesses países. “Até estarmos prontos para a produção em grande escala, o Aubergeel [à base de beringela] está disponível em alguns restaurantes no âmbito de campanhas especiais por tempo limitado. Estamos a trabalhar para expandir tanto o portefólio como o nosso alcance geográfico. Temos muitos produtos novos deliciosos que serão lançados no próximo ano, o que tornará ainda mais fácil criar uma oferta saborosa e baseada em vegetais”, explica a empreendedora dinamarquesa.

No entanto, Ida Speyer reconhece que, “no curto prazo, o aumento do custo de vida pode ter um impacto negativo no nosso sector”. “Mas, a longo prazo, seremos capazes de fixar o preço dos nossos produtos abaixo do valor de produtos de origem animal como o peixe, e seremos por isso a melhor escolha para os consumidores que têm de respeitar um orçamento”, antecipa.

Uma opinião partilhada pelo Chief Financial Officer (CFO) da Entogreen: “Momentos de crise, que retirem aos consumidores capacidade financeira, nunca serão favoráveis ao crescimento do consumo de produtos que enfrentam substitutos que são mais baratos. No entanto, temos a convicção de que a tendência dos consumidores para se preocuparem com temas de saúde e de sustentabilidade é definitiva e será crescente, mesmo em tempos de crise”.

Tecnologia 100% portuguesa combate desperdício
Noutra frente de batalha, mas igualmente empenhada no futuro da alimentação sustentável, está esta agrotech portuguesa Entogreen, que se destacou por ter sido a maior campanha de financiamento para um projeto ético de sempre na plataforma de crowdfunding Goparity. A empresa com sede em Santarém tem um negócio inovador a nível mundial que utiliza moscas (mais precisamente, moscas soldado negro) para criar proteína para rações e fertilizantes não químicos e óleo de insetos, a partir de desperdícios vegetais.

A Entogreen está a finalizar a construção da sua primeira fábrica, também em Santarém, e vai começar a produção já em janeiro de 2023, revelou o CFO ao JE. A unidade industrial irá produzir anualmente cerca de 7 mil toneladas de fertilizante, 2,5 mil toneladas de proteína e 500 toneladas de óleo. “Temos já fechados contratos para a totalidade do fertilizante e para uma parte relevante da proteína. O futuro passará por replicar esta tecnologia, quer em Portugal, quer fora, permitindo o processamento e valorização de diversos subprodutos que hoje são desperdiçados e representam até problemas ambientais e logísticos e produzir de forma sustentável maiores quantidades de proteína animal e fertilizante orgânico”, prevê Diogo Palha.

De 2014 a 2022, a Entogreen somou um investimento superior a 15 milhões de euros, sobretudo por via de fundos geridos pela BlueCrow Capital, pelo Banco Português de Fomento (200M), financiamento bancário (cerca de 20%) e incentivos ao investimento produtivo do Portugal2020.

Segundo Diogo Palha, “a resposta às necessidades de uma população mundial que superará os 9 mil milhões de pessoas em 2050 e preocupação com a sobre-exploração dos recursos e com as alterações climáticas, provocadas por modelos de produção com pegadas demasiado pesadas, fazem com que as preocupações com a sustentabilidade sejam inevitáveis”.

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