Para se perceber o que está a acontecer na economia americana é preciso ser bruxo. Tão depressa os sinais são negativos, como a queda significativa da confiança dos consumidores (o índice da Universidade de Michigan caiu 5,8 pontos, para 57,7%; quanto às condições futuras, a queda foi 7,1%, para 53,4%), como são positivos e também inesperados, como a criação de 253 mil empregos em abril, o que fez a taxa de desemprego cair para 3,4%, a mais baixa desde 1969.

Isto quando a inflação está como diria Groucho Marx: há bons charutos de cinco cêntimos, o problema é que custam 15; mais, o salário horário está a aumentar 4,4% em termos anuais, muito acima do teto de 2% para a inflação. Ou seja, a inflação ainda resiste, o que cria incerteza quanto à direção da política monetária americana.

Como se isto não bastasse, as conversações sobre o teto da dívida (é o Congresso que autoriza o endividamento do Estado) ainda só vão no começo. Na segunda-feira, Janet Yellen informou que, sem um acordo sobre este teto, os EUA incumprem o serviço da dívida a 1 de junho. No mesmo dia, Biden respondeu à pergunta se havia novidades na matéria com um “não”. A reunião de uma hora desta terça-feira na Casa Branca terminou pela conclusão, interpretando o House Speaker McCarthy, que ainda há pela frente o que McCartney chamaria uma “long and winding road”.

Ora, sem aumentar o teto teremos um shutdown da Administração, que passa a funcionar só com serviços essenciais, e o default do serviço da dívida. As consequências de não haver acordo são graves, mas as de um acordo tardio também – em 2011 o acordo foi conseguido a 48 horas do fim do prazo e a S&P baixou o rating da dívida americana de AAA para AA+, coisa que nunca tinha acontecido na história do País e fez os juros sobre os títulos do Tesouro dos EUA subir.

Os EUA perderam só nesse ano 1,3 mil milhões de dólares; o Bipartisan Policy Center estima uma perda total de 18,9 mil milhões. Mas os efeitos não se limitam aos Estados Unidos – a subida dos juros vai-se propagar ao Mundo inteiro. Isto quando as taxas de juro internacionais já estão em alta, impulsionadas por uma das mais rápidas subidas das taxas americanas, fruto do quantitative tightening: cinco pontos percentuais desde março do ano passado.

Na reunião dos ministros das finanças do G7 da semana passada este foi considerado o maior risco sobre a economia mundial, particularmente preocupante para alguns como o Japão, o maior detentor dos 31,4 milhões de milhões de dívida americana.

Jerome Powell disse: “não devíamos sequer estar a falar de um Mundo onde os Estados Unidos não pagam a dívida”. Mas estamos. Estamos num game of chicken entre democratas e republicanos, em que cada parte conduz um carro em rota de colisão, a ver quem desvia primeiro. Só que para não perderem os dois não basta que um, o perdedor, se desvie à última hora. É preciso que não se desviem os dois para o mesmo lado.