No Programa de Estabilidade (PE) apresentado em abril o Governo projeta finanças públicas sólidas, com convergência da dívida para 92% do PIB em 2027 e um excedente orçamental de 0,1%. Em paralelo, promete um crescimento económico médio de 1,8%, para os próximos quatro anos, assente no investimento e nas exportações, enquanto anuncia políticas sociais e o aumento do rendimento das famílias através da redução de impostos. Em suma, tudo irá pelo melhor no melhor dos mundos.
O modelo proposto é coerente – uma economia que investe tende a crescer e assim melhorar o equilíbrio das suas Finanças Públicas pelo encaixe de mais receita. O investimento surgirá impulsionado pelo PRR e as exportações resultarão sobretudo do turismo. O aumento da receita pública proveniente destas atividades (e facilitado pela inflação) tornará possível financiar mais despesa ou reduzir os montantes cobrados em IRS.
Apesar da contestação habitual, o modelo foi validado pelo Conselho das Finanças Públicas, que antecipou mesmo a estimativa do PE, prevendo um excedente orçamental já em 2024. Mas fê-lo, deixando um aviso – as exportações dependerão da incerteza quanto à evolução da envolvente externa, marcada por guerra, inflação e taxas de juro altas e, obstáculos ao financiamento nacional do investimento comprometerão a execução do PRR.
Uma análise do outro lado do espelho revela o paradoxo deste modelo – o crescimento atual da economia portuguesa não se materializa em melhores condições de vida para a sua população. A isso mesmo foram sensíveis as últimas previsões da Comissão Europeia quando, ao rever em alta a taxa de crescimento português de 1 para 2,4%, em linha com as do FMI (cuja projeção é 2,6%), advertiu para uma fraca procura interna, dada a contração do poder de compra das famílias e a subida das taxas de juro.
O aumento dos salários previsto no PE – 8% em 2023 – supera a inflação, estimada em 5,1%, e aponta por isso para um aumento do poder de compra da ordem dos 3%, mas é manifestamente insuficiente para compensar as perdas sentidas desde 2021.
As políticas sociais propostas seguem o modelo assistencialista dos últimos tempos, enquanto esquecem problemas graves como a crise da habitação que, conjugada com salários muito inferiores à média europeia, é um sério obstáculo à permanência de mão de obra jovem qualificada no país. E a precariedade no mercado de trabalho não está resolvida – segundo o Eurostat, Portugal regista já a maior percentagem de jovens empregados com contratos temporários que não participam no ensino formal (40%).
Um país com problemas de fundo, cresce, mas não progride. Sem prejuízo de responder às exigências da conjuntura – e o programa é de estabilidade – se há folga para fazer políticas, estas deveriam procurar soluções de longo prazo. Como remataria Cândido, é preciso cultivar o nosso jardim.