Democratas e republicanos terão chegado no passado domingo a um acordo de princípio para ultrapassar a crise do teto da dívida americana. Resta agora ver se não acontece como na ópera-bufa “Les Brigands”, de Offenbach, onde, reza o libreto, os carabineiros dizem “asseguramos a segurança dos lares, mas por um acaso infeliz, chegamos sempre atrasados”.
Isto porque o acordo tem de ser aprovado no Congresso e o início de discussão está marcado para esta quarta-feira, quando tudo tem que estar acabado sexta-feira porque, avisou Janet Yellen, a dívida dos EUA ultrapassará o limite permitido pelo Parlamento na segunda-feira: diz ela em carta aos congressistas que seriam pagos os 130 mil milhões de dólares de despesa respeitantes a 1 e 2 de junho, mas já não haverá dinheiro para os 96 mil milhões de pagamentos respeitantes a 5 de junho.
Abriu-se a discussão se tecnicamente a dívida dos EUA entra em default nesse dia, mas o Bipartisan Policy Center esclarece que tal só acontece dia 6, quando atingem a maturidade 136 mil milhões de dólares de títulos. A questão só é relevante por estender o período para fecho do acordo até segunda-feira, e os fins de semana são os dias úteis; aliás, só se põe se for emitido um volume de dívida superior, pois só nessa condição a dívida não “rola”, aumenta.
Mas há um pagamento de juros a meio do mês e esse é dívida líquida, portanto nessa altura o teto está furado e entrar-se-á em default; até lá só teríamos o que se seriam pagamentos em atraso. Tecnicalidades, e de qualquer forma a Fitch já avisou que fará o downgrade dos EUA se falharem qualquer pagamento, não apenas da dívida.
É, então, quase certo que o Congresso chegará a acordo esta semana, apesar da oposição de alguns democratas e republicanos ao dito; Biden e McCarthy assegurarão uma robusta votação dos conservadores dos dois partidos. A questão é de saber se o acordo vai durar ou se daqui a poucos meses teremos um remake deste episódio. Ou seja, pode o Mundo respirar descansado ou vamos andar com o credo na boca daqui a dias?
Um sinal positivo é que o pré-acordo Biden-McCarthy não fixa um novo teto, acima dos atuais 31,4 milhões de milhões de dólares, mas pura e simplesmente suspende o teto, e por dois anos. Ou seja, estamos livres desta cena durante dois anos, e isto para qualquer montante de dívida. Como aceitaram os republicanos isto é simples: foi também negociado um limite ao crescimento da despesa, 0% em 2024 e 1% em 2025, exceto a militar, um esforço violento dadas as taxas de inflação previstas.
Foi também cortada a despesa do IRS em recrutamento e software, cancelada despesa Covid e elevada até 2030 a idade de acesso dos desempregados a determinados apoios sociais. Ou seja, o cerne das políticas não é desvirtuado. Portanto, um bom acordo, e oxalá o Congresso não o estrague na discussão. É que um camelo é um cavalo concebido por um grupo de trabalho.