No último ano, as trapalhadas foram tantas que me lembram o tempo em que qualquer zapping apanhava a emissão de uma telenovela… Eram tantas que, a querer seguir, havia que optar por uma delas. Entre casos de polícia, incêndios e Robles, ainda temos a decorrer o “caso Tancos”.
O assalto a Tancos foi há mais de um ano, as contradições mantêm-se, a impunidade vence e as respostas continuam por dar, incluindo ao Presidente da República.
Para sistematizar, em Junho de 2017, o Exército revelou a violação dos perímetros de segurança dos Paióis Nacionais de Tancos e o arrombamento de dois paiolins (escolhidos com critério), tendo desaparecido granadas de mão ofensivas e munições de calibre de nove milímetros, mas recusou-se a dar mais detalhes ou informação sobre quantidades. Curiosamente, no mês seguinte, um jornal do país vizinho, “El Español”, publicava uma lista detalhada do material roubado.
Chegamos a Outubro e é dito em comunicado que todo o material foi recuperado pela Polícia Judiciária Militar a 21 Km de Tancos. Na realidade, o termo “recuperado” é um exagero, foi apenas “encontrado”, o que me parece algo diferente mas, no meio de tanta trapalhada, é um detalhe.
Acrescente-se que nesta recuperação apareceu uma caixa a mais, cujo tamanho Rovisco Duarte elucidou com um gesto de mãos e um largo sorriso, como que um pescador a falar alegremente da sua pescaria. O assunto deve ter imensa piada, eu é que não percebo.
Num Governo especializado em transformar fracassos em sucessos, o momento mais hilariante foi depois de, em Setembro, o ministro Azeredo Lopes ter dito em entrevista à TSF que, “no limite, pode não ter havido furto nenhum”, para depois dizer, em Outubro, que “é “a primeira vez” em democracia que se recupera material “de um furto desta natureza”. “Isso, sim, é algo com que o Governo se congratula e com que cada um de nós se congratula”, acrescentou.
No limite estaremos todos nós! Ou melhor, só podemos estar contentes com o cumprimento dos deveres profissionais daqueles a quem pagamos com os nossos impostos e satisfeitos com os responsáveis das mais altas esferas deste país que, num dia não sabem se houve roubo para, no dia seguinte, festejarem a recuperação do fruto do roubo.
Entre primeiro-ministro, ministro da Defesa e chefe do Estado-Maior do Exército, ninguém se entende nem ninguém sabe ainda o que aconteceu, como aconteceu, de quem é a responsabilidade ou, o mais básico, se o material foi de facto todo recuperado ou não. Admitindo que sabem o que foi roubado.
Decorrido um ano, o Ministério Público vem dizer que não, o material não foi todo recuperado, existem ainda granadas e explosivos por recuperar. Por sua vez, o chefe do Estado-Maior, Rovisco Duarte, vai mais uma vez ao Parlamento para dizer que nunca garantiu que o material havia sido todo recuperado porque o Exército não verificou nada, apenas guardou o que lhe foi entregue. Estamos a brincar?
Portanto, o ministro não sabe nem quer saber porque o assunto está em segredo de justiça – este segredo tem as costas cada vez mais largas – e o chefe do Exército não conta “espingardas” enquanto a investigação decorre… Alguém me explica o que tem uma coisa a ver com a outra?
Depois de muita trapalhada e diz que disse e não disse mas podia ter dito ou talvez nunca o dissesse, conclui de forma brilhante com duas tiradas: “o material ficou à nossa guarda e o que fizeram ou não, não entro em mais detalhes” e, cereja no topo do bolo, “nem sei porque estou aqui” – pois não sabe o Sr. nem sabemos nós! O que faz aí, com um belo ordenado (e muitas regalias) pago por nós, se nem sabe o que faz ou o que deve fazer?
Sobre demissões, nada. Aliás, dois dos cinco Coronéis exonerados (não se animem, foi só por 15 dias…) foram agora propostos a Generais e o esclarecimento adicional do mesmo Rovisco Duarte é que não pode haver demissões porque não há substitutos (fará sentido pensar no porquê?) – o que me parece a melhor justificação possível para uma não demissão.
Conclusão, decorrido mais de um ano, ainda não sabemos o que foi roubado, como foi roubado, o que foi devolvido ou quem são os responsáveis. Não sei se Marcelo Rebelo de Sousa vai acabar por esquecer-se do tema, mas espero que os portugueses não esqueçam.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.