Para muitos comentadores, temos assistido, nos tempos recentes, a uma deriva populista, autoritária, em muitos países do Ocidente, reflexo da crise financeira e económica. Ou, como diz George Friedman, porque se chega à conclusão de que o processo de globalização não beneficiou a todos por igual. Seria isto a explicar a ascensão da Liga e do Cinco Estrelas em Itália, de Viktor Orban na Hungria, da direita na Áustria, na República Checa ou na Polónia, ou de Donald Trump nos Estados Unidos da América. Pode ser também um reflexo mais profundo, uma reação aos conceitos desenvolvidos a partir do final da “guerra fria”, de um quadro internacional regulado pelo direito e na interiorização da ideia de comunidade internacional. Esta teria sido a era do soft power, como definida por Joseph Nye nas páginas da “Foreign Policy”, há já 30 anos, como um tempo em que as democracias ocidentais eram capazes de impor a sua vontade sem necessidade de recurso ao uso da força. Esta ideia de comunidade internacional ganhou corpo no reforço de instituições supranacionais como a Organização das Nações Unidas, a Organização Mundial do Comércio ou o Tribunal Penal Internacional.
Só que, o ponto de onde olhamos a realidade condiciona-nos e a deriva pode ser, afinal, este período que sucedeu ao mundo bipolar, que Francis Fukuyama glosou como “o fim da história”, porque o mundo parecia concordar que o único caminho de futuro era a democracia participativa, o capitalismo, a economia de mercado. Olhando mais atentamente, percebemos, no entanto, que na ONU coexistem a perspectiva maquiavélica, no Conselho de Segurança – onde reside o poder de decisão e de execução –, enquanto à assembleia geral se reserva um poder consultivo, de emitir recomendações; nem Estados Unidos, nem China aceitaram o Tribunal Penal Internacional, e a Rússia já o deixou; E a Organização Mundial do Comércio é útil na medida em que os grandes países ou blocos comerciais consideram que serve os seus interesses – a China é uma adesão recente e os Estados Unidos ignoram-na, em caso de necessidade, como nas atuais guerras comerciais. Mesmo no quadro da NATO – uma ferramenta por excelência de hard power –, os Estados-membros têm investido mais em posições individuais ou apenas acompanhadas por aliados mais próximos, algumas vezes sem aceitação entre parceiros. Podemos concluir que, afinal, o Estado soberano, teorizado por Jean Bodin, que não reconhece poder igual ao seu dentro das suas fronteiras ou superior fora delas, sempre esteve presente, ainda que dormente, e aquilo a que assistimos agora é a realidade a impor-se a um sonho.