Sou uma professora de história que exerce funções de gestão e assumiu como propósito ensinar fora do contexto da sala de aula, criando condições para que se valorize a Educação como meio para a transformação.
Em 2020, organizámos uma conversa entre uma zungueira (vendedora ambulante) e um polícia, pois eram vários os relatos de altercações entre ambos que culminavam em acidentes, prisões e até mortes. Foi esclarecedor, na altura, perceber o porquê de determinadas dinâmicas e aprender um pouco mais sobre o comércio informal em Angola, um dos maiores empregadores no nosso país.
Aprendi que existe uma hierarquia na venda, sendo que as mulheres que vendem fruta têm menos posses do que as que comercializam panelas ou tupperwares. Acreditava eu que já dominava o complexo mundo do comércio informal…
Recentemente, tive o privilégio de acompanhar o encerramento de um projecto de literacia financeira para vendedoras ambulantes, que decorreu nas províncias da Huíla e Benguela, e mais uma vez foi uma importante oportunidade para me instruir nesta matéria.
Valorizei o poder do conhecimento como forma de transformação, na medida em que as vendedoras aprenderam muito mais do que questões matemáticas. Também visitaram órgãos municipais e administrativos, e perceberam que têm direitos, mas também deveres. Entenderam a importância do cuidado com os filhos e consigo mesmas, pois, como partilharam anteriormente, fugiam das autoridades com a mercadoria sem perceber porque estavam a ser interpeladas e sem exigir que não lhes batessem ou levassem os seus pertences.
A formação ajudou-as a ter outras formas de rendimento, com a transformação dos alimentos que muitas comercializam. Hoje, sabem fazer compotas, bolos, pão ou pickles, e replicaram a aprendizagem no seio das suas comunidades.
Sou uma entusiasta de projectos sustentáveis e com impacto, mas que devem começar paulatinamente. Formaram-se 88 mulheres e, se fizermos conta de que cada agregado angolano tem em média seis pessoas, perguntamo-nos quantas serão impactadas, directa e indirectamente, ao longo de todo o processo? Muitas.
Este projecto deu-nos também informações interessantes sobre as assimetrias regionais. As províncias a sul têm grandes aglomerados urbanos, pelo que as vendedoras da Huíla poderão formar outras congéneres, já as de Benguela carecem de alfabetização.
Aprendemos ainda que a lógica de Luanda, sobre a hierarquia no que concerne ao poder de compra, não se aplica ao sul, pois lá é menor e as dinâmicas fazem com que quem tenha mais dinheiro “subcontrate” outras vendedoras para comercializar a sua mercadoria.
Pensamos que em Benguela o analfabetismo poderá dever-se ao facto de ser uma província que acolhe população de diversas partes do país, mas só um estudo mais aprofundado o poderá comprovar.
Este é um exemplo de como projectos pequenos podem interligar diversos actores e criar mudança. Adotamos frequentemente soluções “importadas”, sem prestar realmente atenção às nossas diferenças e sem as adequar ao contexto angolano.
Gostava que o empoderamento feminino não fosse só propalado em março, no Dia Internacional da Mulher, e se percebesse, de uma vez por todas, que quando se dá a cana adequada pesca-se muito mais.
Continuarei com um olhar curioso, aprendendo fora do contexto da sala de aula, e prometo contar-vos o que vou apreendendo.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.