Os avanços no domínio da Inteligência Artificial (IA) despertam cada vez mais o interesse por esta tecnologia e pela forma como pode contribuir para a automatização de inúmeras tarefas. Uma das áreas com grande potencial de aplicação da IA é a área dos cuidados de saúde, permitindo o processamento de vastos volumes de informação num curto espaço de tempo bem como a automatização de diversos processos.
A automatização de tarefas através da IA libertará os profissionais de saúde para a realização de atividades onde são imprescindíveis, o que é especialmente importante num setor que lida há vários anos com uma crónica falta de profissionais. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que faltam cerca de 4,3 milhões de profissionais de saúde e que o problema tenderá a agravar-se, estimando-se uma carência de 10 milhões destes profissionais em 2030.
Uma das áreas da Medicina onde se verificam grandes progressos na IA é na Radiologia. De acordo com um estudo da American Radiology Association, a presença de IA na Radiologia cresceu de 0 para 30% entre 2015 e 2020. Por exemplo, o denominado Deep Learning Reconstruction (DLR) permite a melhoria da qualidade de imagens de TAC que tenham muito ruído, que é tanto maior quanto menor for a dose de radiação aplicada. Assim, a aplicação da IA diminui as doses de radiação para uma qualidade de imagem equivalente, com os consequentes benefícios para o paciente.
A Telemedicina é outra área com enorme potencial para o uso da IA. O desenvolvimento dos wearables (equipamentos que monitorizam em tempo real parâmetros biométricos) veio dinamizar a sua aplicação. A Internet of Things (IoT) em conjunto com a disseminação das clouds permite que os dados recolhidos sejam disponibilizados em tempo real e a criação de histórico. Desta forma, as ferramentas de IA serão capazes de analisar todo este volume de informação e alertar o médico caso sejam detetados desvios nos parâmetros.
O entusiasmo em torno da IA deve-se em grande parte ao sucesso do ChatGPT que em apenas dois meses atingiu os 100 milhões de utilizadores – o TikTok demorou nove meses a atingir essa marca.
O ChatGPT é um Large Language Model (LLM), um tipo de rede neuronal desenhado para processar e gerar dados (neste caso texto). As potencialidades do ChatGPT na Saúde são inúmeras e passarão, por exemplo, pelo apoio na triagem ou no preenchimento de fichas clínicas. Já a Google desenvolveu um LLM para os cuidados de saúde, o Med-PaLM 2, que foi sujeito a um painel de questões retiradas de exames médicos e obteve uma taxa de sucesso de 85,4%.
Se por um lado as capacidades da IA criam oportunidades, também geram novos riscos. Um dos maiores riscos da aplicação da IA na Saúde prende-se com a privacidade dos dados clínicos. Este e outros riscos têm pressionado à regulação do seu uso.
A este respeito, a Food and Drug Administration (FDA) publicou recentemente guidelines afirmando que determinadas ferramentas de IA devem ser consideradas dispositivos médicos. A nível europeu discute-se o AI Act, um pacote legislativo que visa regulamentar o uso de IA, que implicará também a atualização da Medical Devices Regulation (MDR) de 2017, visto que na altura a presença de IA nos denominados Software as a Medical Device (SaMD) era muito incipiente.
Conforme descrito, as potencialidades da IA no setor da Saúde são inúmeras e muitas delas já estão a ser utilizadas em larga escala. A aplicação desta tecnologia permitirá libertar os profissionais de saúde de tarefas mais repetitivas e, desta forma, resolver em parte o problema de falta de profissionais nesta área. Porém, é urgente regular a IA para acautelar os seus riscos e garantir que é uma ferramenta para potenciar a capacidade humana, não para a substituir.