Segundo os cânones da tática, as operações ofensivas, para terem êxito, devem ser extremamente violentas e o esforço do atacante concentrado numa parte da frente inimiga, para a romper e penetrar na sua profundidade. Ao contrário do que se tem vindo a afirmar, para minimizar o insucesso da ofensiva ucraniana em curso, as operações ofensivas bem-sucedidas não são maratonas, como foi exemplo o ataque ucraniano em Kharkiv, no final de 2022, quando as forças ucranianas em poucos dias penetraram com êxito o dispositivo russo, capturando num ápice largas dezenas de quilómetros.

Não é o que está a acontecer agora. As forças ucranianas empancaram à frente das defesas russas. Uma operação que devia ser uma ação cinética de elevado ímpeto e violência transformou-se numa guerra posicional de atrição. Ao fim de um mês, os ganhos territoriais ucranianos são desprezíveis. São enormes os danos em pessoal e armamento causados pelas forças russas. Isso levou Kiev a decretar a mobilização geral e o Ocidente a atribuir equipamentos adicionais para substituir o que foi destruído. Tornou-se claro que a ofensiva em curso não produzirá um resultado decisivo.

Entretanto, Kiev continua a alimentar o sonho das armas milagrosas que irão alterar o curso dos acontecimentos. Desta feita, são os F-16 que, no seu imaginário, vão fazer a diferença. A infantilidade tomou conta de algum espaço mediático. Como se duas dúzias de aeronaves da quarta-geração pudessem enfrentar as cerca de 1000 russas, que não foram ainda introduzidas no combate.

Continua a alimentar-se a ilusão de uma estratégia vencedora baseada no sangue ucraniano e no fornecimento de equipamento militar para subjugar a Rússia. Qualquer observador minimamente lúcido está ciente das vulnerabilidades de tal opção. Não sei quantas mais vidas humanas terão ainda de se perder para se perceber o óbvio. Para atingir os seus objetivos estratégicos, Kiev terá de expulsar as forças russas do seu território, algo que parece extremamente difícil, pelo menos através desta ofensiva.

Com a Cimeira da NATO à porta e ciente de que solução para o conflito emergirá daquilo que for a relação de forças no terreno, Kiev decidiu reforçar a sua ofensiva, sobretudo na frente leste, na esperança de aí atrair as reservas russas, e ficar com as portas abertas para avançar sobre a Crimeia. Apesar deste esforço adicional, cujo resultado não é ainda conhecido, Washington, assim como algumas chancelarias europeias, duvida que a Ucrânia, mesmo recorrendo à ajuda ocidental, venha a ser capaz de repelir as forças russas.

Como escreveu Samuel Charap, na Foreign Affairs, “é hora de os Estados Unidos desenvolverem uma visão de como a guerra vai terminar”. Um conflito prolongado aumenta significativamente o risco de uma escalada incontrolável. Após um ano e meio de combates, começa a prevalecer a possibilidade de nenhum dos contendores alcançar uma vitória militar decisiva. Veremos como estas preocupações irão estar presentes na próxima Cimeira da NATO, em Vilnius, e o que dela poderemos extrapolar em matéria de soluções para o conflito.