Sérgio Dundão
Investigador
O povo não tem meios para transferir qualquer tipo de poder aos seus representantes. Apenas o eleitorado está concebido para esse efeito. Mas, o eleitor não é qualificado como soberano em nenhuma constituição, nem sequer o poderia ser porquanto é o resultado de uma imposição legal do legislativo. Por isso, Sartori (2018: 85) sustenta que “a democracia moderna (…) não se baseia na participação, mas na representação; não pressupõe o exercício em si do poder, mas na delegação do poder, em suma, não é um sistema de autogoverno mas um sistema de controlo e de limitação do governo”.

A democracia dos modernos está efectivamente alicerçada na representação, sendo realizada através de um procedimento decorrente do princípio da legitimidade política, que serve para assegurar a transferência da vontade eleitoral para os actores políticos, que, deste modo, ficam investidos da autoridade política-democrática para o exercício das funções representativas. Por isso, o artigo 3.º, n.º 1 da Constituição da República de Angola de 2010, prevê que “a soberania, una e indivisível, pertence ao povo, que a exerce através do sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e periódico, do referendo e das demais formas estabelecidas pela Constituição, nomeadamente para a escolha dos seus representantes”.

No artigo supracitado confunde-se objectivamente o povo com o eleitorado, ignorando-se que o eleitorado é sempre produto de um legislador que define as suas condições e requisitos de qualificação. Por exemplo, é o legislador que define a idade de participação eleitoral e a modalidade de voto, podendo, mesmo, limitar a capacidade eleitoral através de uma regra de exclusão por força de uma decisão política ou judicial (de perda de direitos políticos).

Mesmo ignorando essa contradição constitucional, no processo de delegação de poderes não existe um meio eficiente para limitar o exercício do mandato conferido ao deputado. Na medida em que o mandato é exercido sem restrições, tendo o deputado uma grande margem de discricionariedade em cada tomada de decisão. Paradoxalmente, o deputado teme mais o seu partido, que tem formas de condicionar a sua actuação e, até, de caçar o seu mandato, do que o suposto soberano, que não tem força a mesma força, excepto nos países com o mecanismo de recal l. Este mecanismo dificilmente pode ser aplicado num sistema de lista fechada e bloqueada.